quarta-feira, 31 de agosto de 2011

DECISÃO DO PERITO DO INSS PREVALECE SOBRE A DO MÉDICO DO TRABALHO

Vídeo-aula sobre esse texto:



Prezados leitores.

Há algum tempo que venho escrevendo sobre a soberania da decisão do Médico Perito do INSS com relação à decisão do Médico do Trabalho / "Médico Examinador". Elenco aqui alguns links para tais textos:

Muitos dirão: “mas essa tese afronta a autonomia do ato médico praticado pelo Médico do Trabalho / "Médico Examinador", e portanto fere o Código de Ética Médica.” Senhores, toda autonomia profissional é balizada pela legislação vigente. Toda! Por exemplo, o juiz tem autonomia para julgar como quer, mas se afrontar a lei, terá sua sentença revista e poderá responder administrativamente e judicialmente. O engenheiro tem autonomia para projetar como quiser, mas se ferir a lei, também responderá por isso. Até os jornalistas tem autonomia para falar o que desejarem, mas se violarem as leis, poderão ser punidos.  

Da mesma forma é o ato médico. O profissional médico goza de plena autonomia para tomar a conduta que melhor julgar em prol do seu paciente, desde que não ultrapasse os limites legais estabelecidos.

Enfim, a autonomia profissional jamais deu o direito de alguém exercer sua profissão fazendo tudo que quiser, e como quiser, mesmo que cheio de boas intenções. Graças a Deus que é assim! Os limites são necessários sempre. Fazendo uma maldosa (porém verdadeira) analogia, autonomia profissional (de qualquer profissão) é como liberdade de zoológico: você tem a liberdade que quiser, desde que não saia da jaula.

Falando agora de legislação, reitero abaixo os fundamentos pelos quais acredito que a decisão do Médico Perito do INSS se sobrepõe a decisão do Médico do Trabalho / "Médico Examinador".

A Norma Regulamentadora n. 7 (NR-7) assim nos traz no item 7.4.4.3: “o ASO (atestado de saúde ocupacional) deverá conter no mínimo: (e) definição de apto ou inapto para a função específica que o trabalhador vai exercer, exerce ou exerceu". Uma análise literal da norma supra nos mostra que essa definição de aptidão / inaptidão é prerrogativa do Médico do Trabalho / "Médico Examinador", a quem coube a função legal de emitir o ASO.

No entanto, a Lei 11.907 / 2009, em seu Artigo 30, parágrafo 3, assim coloca: "compete privativamente aos ocupantes do cargo de Perito Médico Previdenciário ou de Perito Médico da Previdência Social ..., em especial a: (I) emissão de parecer conclusivo quanto à capacidade laboral para fins previdenciários."

Verifica-se aqui, o que no estudo do Direito recebe o nome de ANTINOMIA, ou seja, a presença de duas normas conflitantes, gerando dúvidas sobre qual delas deverá ser aplicada ao caso singular. No caso em tela, a Lei 11.907 / 2009 goza de uma posição hierárquica privilegiada, uma vez que se classifica como Lei Federal Ordinária, enquanto que a NR-7 foi editada por força da Portaria do MTE n. 24 / 1994.

Outras normativas corroboram no sentido de que a decisão do Médico Perito do INSS deva prevalecer sobre a decisão do Médico do Trabalho / "Médico Examinador":

Súmula 32 do TST: “Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer.”

Comentário: percebam que aptidão ao trabalho é conferida pela cessação do benefício previdenciário definida pelo Médico Perito do INSS e não pelo Médico do Trabalho / "Médico Examinador". Lembramos também que o abandono de emprego é considerado uma “justa causa” de rescisão do contrato de trabalho, conforme Art. 482 da CLT.

Lei 605 / 49, Art. 6, Parágrafo 2º: “A doença será comprovada mediante atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado, e, na falta deste e sucessivamente, de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria; de médico da empresa ou por ela designado; de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública; ou não existindo estes, na localidade em que trabalhar, de médico de sua escolha.”

Comentário: essa lei deixa clara a hierarquia existente entre os atestados médicos para fins de abonos de faltas ao trabalho. Nessa hierarquia, o atestado de médico da instituição da previdência social prevalece sobre o atestado de médico da empresa ou por ela designado (Médico do Trabalho ou "Médico Examinador").

Súmula 15 do TST: “A justificação da ausência do empregado motivada por doença, para a percepção do salário-enfermidade e da remuneração do repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados médicos, estabelecida em lei."

Comentário: em outras palavras, essa Súmula diz que deve ser obedecida a ordem trazida pela Lei 605 / 49, isto é, primeiro a decisão do Médico Perito do INSS, para só depois, a decisão do Médico do Trabalho / "Médico Examinador".

Na mesma linha, transcrevo abaixo uma matéria veiculada pelo TRT-MG. O texto refere-se a uma decisão judicial que estabelece que a empresa não pode impedir retorno de empregado ao trabalho após alta do INSS:

“Se o empregado, após receber alta do INSS, tenta retornar às suas funções e a empresa nega-se a aceitá-lo porque exames internos o declaram inapto para o trabalho, a empregadora é responsável pelo pagamento dos salários, desde o afastamento do empregado até a concessão do novo benefício previdenciário.

Isso porque, cabia à empregadora, no mínimo, readaptar o trabalhador em função compatível com sua condição de saúde e não, simplesmente, negar-lhe o direito de retornar ao trabalho.

A decisão é da 9a Turma do TRT-MG que, acompanhando o voto do juiz convocado Ricardo Marcelo Silva, julgou desfavoravelmente o recurso da reclamada, mantendo sua condenação ao pagamento dos salários e verbas trabalhistas do período em que o reclamante não foi aceito pela empregadora. A empresa sustentou em seu recurso que não poderia permitir que um trabalhador doente reassumisse as suas funções, sob pena de ser responsabilizada por um dano maior. No seu entender, a prova de que o médico da empresa tinha razão está no fato de o INSS ter concedido novo benefício previdenciário ao trabalhador. A ré alegou ainda que, se não houve trabalho, não pode haver salário.

Mas, conforme explicou o relator, o reclamante foi encaminhado à Previdência Social em julho de 2008, mas teve o seu pedido de auxílio-doença negado, porque a autarquia não constatou incapacidade para o trabalho. O seu pedido de reconsideração da decisão também foi negado, pela mesma razão. Foram feitos novos encaminhamentos, com requerimento do benefício previdenciário, todos sem sucesso. Como o reclamante foi considerado apto para o trabalho pelo órgão competente, ele se apresentou na empresa para reiniciar a prestação de serviços, mas foi impedido de retornar.

Para o magistrado, a conclusão da autarquia previdenciária é a que deve prevalecer, porque as declarações do órgão têm fé pública, não sendo o caso de se discutir, nesse processo, se houve equívoco na decisão do INSS. Por isso, empresa deveria ter readaptado o trabalhador em funções compatíveis com a sua saúde e não impedi-lo de voltar ao trabalho. "Relevante, de todo modo, é que o autor permaneceu à disposição da ré e que partiu desta a iniciativa de obstar o retorno ao emprego - como, aliás, se infere das próprias razões recursais.

O salário do empregado não podia ficar descoberto até que o órgão previdenciário, mesmo reconsiderando decisão anterior, concedesse o benefício" - finalizou. (RO nº 01096-2009-114-03-00-4).

(Fonte: TRT/MG 14/06/2010 – adaptado pelo Guia Trabalhista)”

Oportuno ratificar que a submissão legal do Médico do Trabalho / "Médico Examinador" jamais pode ser confundida com negligência médica. Isto é, o fato de o Médico do Trabalho / "Médico Examinador" ter que acatar (mesmo não concordando) a decisão do Médico Perito do INSS por imposição legal, não o afasta do cuidado com o trabalhador em nenhuma hipótese. Sobre tal situação, proponho algumas condutas através do texto que pode ser visualizado pelo link: http://bit.ly/pH5boc

Um forte abraço a todos e até terça-feira (06/09), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

NÃO MÉDICO COMO ASSISTENTE TÉCNICO DE PERÍCIA MÉDICA: PODE?

Prezados leitores.

Eis um e-mail que chegou até mim.

"Dr. Marcos, boa tarde.

O Parecer-Consulta n. 100-545/10 do CRM-SP entende que o profissional não médico pode ser denunciado pelo exercício ilegal da medicina, quando em atuação como assistente técnico de uma perícia médica. Concordo plenamente com esse parecer.

Qual sua opinião?

Abraço.

Dr. XXXX"

RESPOSTA:

Prezados leitores.

Imaginem uma perícia judicial, deferida por um juiz atuante na Justiça do Trabalho, para detecção (ou não) de uma doença ocupacional. Na sala da perícia estão: o médico perito, o periciando, e apenas um assistente técnico. No entanto, ao ver a documentação desse assistente técnico, o médico perito descobre que ele seja, por exemplo, um médico veterinário. E agora? O médico perito deve ou não permitir a participação desse outro profissional como assistente técnico dessa perícia médica?

Se estivéssemos falando de uma perícia previdenciária junto ao INSS, o assistente técnico necessariamente deveria ser um médico, tal qual o perito. Vejamos o que diz a Lei 8.213 / 1991, em seu Art. 42, § 1º: 

“A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.”

O “médico” ao qual se referiu esse artigo, é o próprio assistente técnico do segurado. No entanto, vale a pena lembrar que a Lei 8.213 / 1991 é específica para questões relacionadas à Previdência Social.

Para uma perícia médica na Justiça do Trabalho, a lei mais específica é a Lei 5.584 / 1970. Porém, sobre qual qualificativo deve ter o assistente técnico, ela nada fala. Dessa forma, subsidiariamente, aplicamos o Art. 422 do Código de Processo Civil (CPC) – redação dada pela Lei Ordinária n. 5.869 / 1973:

 “Os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimentos ou suspeição."

O texto do CPC não deixa dúvidas: assistente técnico pode ser qualquer profissional, desde que seja de confiança da parte.

É importante lembrarmos que a escolha de um assistente técnico é uma opção (e não uma obrigação) dada às partes do processo. Com ou sem a escolha do assistente técnico, a perícia ocorrerá! Ora, se é uma opção, todo ônus e todo bônus pela escolha de um assistente técnico, será da parte que o escolheu.

Do Art. 422 do CPC extraímos que as partes são livres para escolherem os assistentes técnicos que desejarem, entre quaisquer profissionais: não há nenhum tipo de impedimento ou suspeição nessas escolhas. Todavia, se escolherem bem, a chance de um bom resultado no processo aumenta. Se escolherem mal, a chance de um mau resultado também será considerável.

Nesse contexto, imaginem-se como técnicos de uma determinada equipe de futebol. Vocês escalariam um exímio piloto de Formula 1 para ser o zagueiro do seu time? Penso que não, pois se assim fizessem, não estariam escolhendo o melhor profissional para defendê-los, por mais brilhante que esse profissional fosse numa outra área. Assim deve ser o pensamento das partes na hora de escolherem seus assistentes técnicos. A pergunta a ser respondida é: qual profissional é o mais qualificado para atuar na defesa dos interesses da parte que o contratará?  Na confecção dessa resposta, devem ser obrigatoriamente avaliados itens como: formação acadêmica, currículo e experiência pericial desse candidato.  

Mas e com relação aos aspectos éticos da perícia médica? Caso o perito (médico) verifique a presença de um assistente técnico (não médico), como deverá se portar?

Enquanto o Art. 422 do CPC diz que “os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimentos ou suspeição”, assim coloca o Parecer n. 09 / 2006 do CFM (Conselho Federal de Medicina):

"O exame médico-pericial é um ato médico. Como tal, por envolver a interação entre o médico e o periciando, deve o médico perito agir com plena autonomia, decidindo pela presença ou não de pessoas estranhas ao atendimento efetuado, sendo obrigatórias a preservação da intimidade do paciente e a garantia do sigilo profissional, não podendo, em nenhuma hipótese, qualquer norma, quer seja administrativa, estatutária ou regimental, violar este princípio ético fundamental.”

E agora? Se verificado o conflito entre as duas normas acima, qual deve seguir o perito?

Vale lembrar que em um processo o juiz é o árbitro, e os peritos são seus auxiliares, como nos ensina o Art. 139 do CPC. Os auxiliares não devem obedecer regras processuais próprias, mas sim, as mesmas regras estabelecidas ao/pelo magistrado, o grande árbitro do processo.

Apenas para ilustrar, imaginem um juiz de futebol e seus auxiliares (bandeirinhas). Imaginem que um desses auxiliares não entenda nada das regras do futebol, mas apenas de regras de basquete. Não precisamos de muito esforço para prever que alguma coisa não vai dar certo nessa arbitragem. Esse jogo será terrível!

Pelo exposto, já tenho a minha convicção formada quanto ao tema, embora acredite que ela não seja majoritária. No caso da perícia médica na Justiça do Trabalho, realizada com um assistente técnico não médico, o Art. 422 do CPC é a regra que deve imperar, pois possui status de Lei Ordinária, e está hierarquicamente superior às normativas expedidas pelo CFM, como o Parecer n. 09 / 2006. O Art. 422 do CPC é a regra que, provavelmente, norteará o magistrado. Sendo assim, no meu entendimento, o perito médico, como auxiliar do juiz que é,  não deve impedir a participação de um assistente técnico (não médico) no ato pericial.

Em caso de lamentáveis conflitos, por que optar pela regra usada pelo juiz (e não pela regra emanada, por exemplo, pelo CFM)? Vejamos:

·         Num caso hipotético, se alguma provável sindicância do CFM concluir que um médico não cometeu nenhuma infração ética, mas por outro lado, num processo judicial, que trate do mesmo assunto, o juiz entender que o registro desse médico deva ser cassado. Nesse caso, qual decisão prevalecerá: a do CFM/CRM ou a do juiz?

·         De maneira inversa: se uma provável sindicância do CFM cassar o exercício profissional de um determinado médico, mas por outro lado, num processo judicial, que trate do mesmo assunto, o juiz o absolver de qualquer acusação. Mais uma vez, que decisão prevalecerá: a do CFM/CRM ou a do juiz?

Como nas 2 perguntas a resposta foi a mesma (prevalecerá a decisão do juiz), pra mim, dúvidas não restam que, em casos de lamentáveis conflitos normativos, mesmo procedendo todas as tentativas pertinentes de preservação da intimidade do periciando, e fazendo sempre o uso do bom senso, é melhor obedecer as regras do juiz (no caso, o CPC), do que as eventuais regras divergentes estabelecidas pelo CFM.

Mas ao permitir a entrada de um assistente técnico não médico, o perito médico não estaria sendo conivente com o “exercício ilegal da medicina”?

Sinceramente, acredito que não. O outro profissional não assinará como médico, mas como profissional que é. E sobre isso, vejamos o que diz a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5o, inciso IX:

“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”

Alguém dirá: "mas ele está exercendo uma atividade que é própria da medicina." Eu pergunto: em que lei está escrito quais são as atividades próprias do médico numa perícia? Resposta: nenhuma. A Lei do Ato Médico já está em vigor? Resposta: Não.

Apenas para ilustrar: outro dia cheguei espirrando num supermercado. A caixa do estabelecimento me disse: “isso é gripe, portanto, tome azitromicina, se não, irá ficar uns 30 dias com esses sintomas”.  Percebam que interessante! A caixa do supermercado me deu: diagnóstico, tratamento e prognóstico. Por acaso, agiu ela com “exercício ilegal da medicina”? Claro que não! Qualquer pessoa pode opinar sobre algum tema médico, mesmo não gozando de credibilidade para isso.  

Por tudo isso, estou convencido de que esse outro profissional  não médico (na figura de um assistente técnico de uma perícia médica) não realiza o exercício ilegal da medicina. Ele apenas dá uma opinião sobre um tema médico, e se identifica por isso. Ratifico: qualquer pessoa pode opinar sobre algum tema médico, mesmo não gozando de credibilidade para isso.  

Corrobora com esse raciocínio, o mesmo Art. 422 do CPC, que assim coloca:

“Os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimentos ou suspeição."

Pelo que diz a lei acima, independente da profissão, o assistente técnico de uma perícia judicial não pode ter impedida a sua participação.

Senhores, longe de ser uma verdade inquestionável, é o que sinceramente penso.

Obs.: apesar de ver o Parecer-Consulta 100-545/10 do CRM-SP com ressalvas, ratifico meu apreço, respeito e admiração por essa instituição.

Um forte abraço a todos, e até quinta-feira (01/09), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe.

Marcos H. Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha  

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

DESABAFO DE UMA (IN)JUSTIÇA.

Prezados leitores.

Quero agradecê-los pelos inúmeros e-mails / mensagens referentes ao blog que tenho recebido, e pelo crescente número de acessos. Relembro-os que, por razões obvias, só respondo / publico textos com clara identificação do(a) autor(a), ou seja, não anônimos; e que também não sejam objetos de “consultas”  (ex.: “como devo proceder na situação tal?”; ou  “o que você acha do meu vizinho que passou pela perícia tal”; etc.).

Transcrevo abaixo um e-mail que recebi recentemente. Ele termina com uma pergunta, que preferi deixá-la para que os Senhores respondam. Como a função maior desse blog é fomentar o bom debate, peço-os que fiquem à vontade para comentar o desabafo feito pelo autor (cujo sigilo da identidade foi mantido, como de costume).

Um forte abraço a todos e até segunda-feira (29/08), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

TRANSCRIÇÃO LITERAL DO E-MAIL:

“Boa noite Dr. Marcos

Foi um prazer imenso conhecer seu blog e estar em contato contigo.

Sou natural de XXXX/SP, me permita fazer um comentario/desabafo.

Trabalhei numa  empresa aqui, da região durante 10 anos na linha de produção e 3 anos de trabalho adquiri DE QUERVAIN bilateral e também TUNEL DO CARPO.

Pois bem , fiquei muito mal sem poder trabalhar, o médico da empresa me deu um laudo para afastamento, dizendo que suspeitava de DOENÇA MAIS COMUM EM NEGROS para eu procurar um angiologista (ja tinha levado pra ele 3 exames ). Procurei um advogado, foi marcado uma pericia na empresa, porem, fui só, sem a presença do advogado.

Foi ,como dizem no mundo politico: FORUM PRIVILEGIADO; dois ex-médicos da empresa, e dois advogados; fiquei encurralado.Feita a "pericia" fui dispensado (deveria aguardar na portaria da empresa) . Enquanto isso o perito judicial, junto com os dois medicos e os dois advogados da empresa permaneceram por exatos 23 minutos (eu marquei junto com outros colegas de trabalho). Fiquei esperando a saída do perito, para a minha surpresa saiu quase correndo; me dirigi a ele, e antes de eu perguntar alguma coisa, me falou seu advogado receberá o laudo. Resultado? LOCAL DE TRABALHO NÃO OFERECE RISCO, AUSÊNCIA DE MOVIMENTOS REPETITIVOS.

Para o Dr ver que como sofremos com pessoas que usam dessa mais nobre profissão que existe (dependemos da medicina desde antes de nascermos, até depois de mortos) mas vemos esses verdadeiros corruptos agirem a reveria .

Quanto a mim, pedi e  terei nova perícia por esses dias, mas confiar em quem?

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

MÉDICO DO TRABALHO E ASSISTENTE TÉCNICO DA MESMA EMPRESA?

Prezados leitores.

Com o advento da Resolução 1.488 / 98 do CFM (Conselho Federal de Medicina), muitas polêmicas tem sido levantadas naquilo que tange a atuação do Médico do Trabalho como assistente técnico em processos judiciais, para empresas nas quais presta (ou prestou) serviços. À luz da legislação em vigor, (não) pode ou (não) deve o médico do trabalho fazer essa atuação?

O artigo 12 da Resolução do CFM n. 1.488 / 98 assim nos traz: “o médico de empresa, o médico responsável por qualquer Programa de Controle de Saúde Ocupacional de Empresa e o médico participante do Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho, não podem ser peritos judiciais, securitários ou previdenciários, ou assistentes técnicos da empresa, nos casos que envolvam a firma contratante e/ou seus assistidos (atuais ou passados)”

No entanto, o Código de Processo Civil, em seu artigo 422, assim coloca: os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimento ou suspeição.” Tal redação foi dada pela Lei 8.455 / 92.

Verifica-se aqui, o que no estudo do Direito recebe o nome de ANTINOMIA, ou seja, a presença de duas normas conflitantes, gerando dúvidas sobre qual delas deverá ser aplicada num caso real. Para solucionar esse conflito de normas, a doutrina jurídica apresenta algumas alternativas: (a) critério hierárquico (norma superior revoga a inferior); (b) critério da especialidade (norma especial revoga norma geral), (c) critério cronológico (norma mais recente revoga norma mais antiga). Juridicamente (e não administrativamente, em nível de sindicâncias nos CRMs), no caso em tela, a Lei 8.455 / 92 goza de uma posição hierárquica privilegiada frente à Resolução 1.488 / 98 do CFM, uma vez que se classifica como Lei Ordinária (norma superior), enquanto a última, como Ato Administrativo (norma inferior) de um ente da administração pública indireta (Conselho Federal de Medicina, uma autarquia).

É sabido, entretanto, que os CRMs (Conselhos Regionais de Medicina), balizados pelas Resoluções do CFM, possuem a prerrogativa de penalizar os médicos pelas infrações éticas eventualmente cometidas. Sendo assim, não obstante a maior força jurídica hierárquica da Lei 8.455 / 92 frente às Resoluções do CFM, para efeito administrativo, muitos Médicos do Trabalho ainda tem sido penalizados em seus conselhos por atuarem como assistentes técnicos de empresas para as quais prestam/prestaram serviços, com base no Art. 12 da Resolução do CFM n. 1488 / 98. Na óptica jurídica, tal atitude dos conselhos, é ilegal, se não vejamos:  

Normas inferiores não podem inovar ou contrariar normas superiores, mas unicamente complementá-las e explicá-las, sob pena de exceder suas competências materiais, incorrendo em ilegalidade.” (Supremo Tribunal Federal - Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.398. Relator: Min. Cezar Peluso, julgado em 25/06/07)

A manutenção desta visão condenatória por parte dos CRMs, deixa os próprios conselhos muito vulneráveis a indenizações por danos morais, pleiteadas juridicamente pelos próprios Médicos do Trabalho já penalizados. Tanto assim que, por ordem judicial, o artigo 12 da Resolução do CFM n. 1.488 / 98 já não tem aplicação para várias empresas (ex.: Funasa, Copel, Transpetro e Codesa).

Mas eis que surge uma novidade! A interpretação coerente dos artigos 93 e 94 do NOVO Código de Ética Médica, parece esclarecer definitivamente tal questão, dando mais autonomia aos Médicos do Trabalho, e protegendo assim os próprios conselhos de indenizações indevidas, se não vejamos:

>> Art. 93: é vedado ao médico ser perito ou auditor do próprio paciente, de pessoa de sua família ou de qualquer outra com a qual tenha relações capazes de influir em seu trabalho ou de empresa em que atue ou tenha atuado (excluiu a figura do assistente técnico para atuação junto às empresas – grifo nosso).

>> Art. 94: é vedado ao médico intervir, quando em função de auditor, assistente técnico ou perito, nos atos profissionais de outro médico, ou fazer qualquer apreciação em presença do examinado, reservando suas observações para o relatório (não excluiu a figura do assistente técnico, mostrando que não houve omissão ou esquecimento na redação do artigo 93 – grifo nosso).

Importante ressaltar que o novo Código de Ética Médica, em seu artigo 3o, revoga todas as disposições contrárias ao próprio código, o que, segundo nosso entendimento, também inclui o artigo 12 da Resolução do CFM n. 1.488 / 98. 

Concluindo: à luz de toda legislação vigente, incluindo o NOVO Código de Ética Médica, entendemos que o Médico do Trabalho pode sim atuar como assistente técnico para empresa na qual presta/prestou serviços, valendo-se para aceitação do nobre encargo, apenas dos ditames de sua consciência. No entanto, acreditamos também que, apesar da permissividade legal constatada, tal mister deve ser elegantemente recusado para que não se coloque em risco a credibilidade e necessária imparcialidade que o Médico do Trabalho deve ter, tanto perante aos gestores da empresa, quanto perante aos próprios empregados.

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe e até a próxima quinta-feira (25/08), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Marcos H. Mendanha
E-mail: marcos@asmetro.com.br
Twitter: @marcoshmendanha 

terça-feira, 16 de agosto de 2011

É ILEGAL PEDIR EXAME DE HIV NO EXAME ADMISSIONAL?

Prezados leitores.

Quando se fala na solicitação de sorologia para HIV em exames relativos ao trabalho, a polêmica facilmente se instaura.

Pela efervescência da matéria sobram normativas entre as quais citamos algumas:

Portaria 1.246 / 2010 do Ministério do Trabalho e Emprego, Art. 2º: "Não será permitida, de forma direta ou indireta, nos exames médicos por ocasião da admissão, mudança de função, avaliação periódica, retorno, demissão ou outros ligados à relação de emprego, a testagem do trabalhador quanto ao HIV.

Parágrafo único: O disposto no caput deste artigo não obsta que campanhas ou programas de prevenção da saúde estimulem os trabalhadores a conhecer seu estado sorológico quanto ao HIV por meio de orientações e exames comprovadamente voluntários, sem vínculo com a relação de trabalho e sempre resguardada a privacidade quanto ao conhecimento dos resultados."

Nosso comentário: essa portaria foi emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e é direcionada apenas aos que estão sujeitos à relação de emprego. Mas o que é relação de emprego? Trata-se de uma relação de trabalho que está calcada no regime celetista (CLT), como estabelece com seus empregados a maior parte das empresas. Os servidores públicos estaduais e municipais, por exemplo, podem estar submetidos à estatutos próprios que são omissos quanto a esse tema. Nesses casos essa portaria não teria validade (a menos que fosse objeto de discussão judicial ou administrativa, onde os efeitos dessa portaria fossem requeridos por analogia). Obs.: para os servidores públicos federais já existe a Portaria Interministerial 869 / 1992:

Portaria Interministerial 869 / 1992: "Proíbe, no âmbito do Serviço Público Federal, a exigência de teste para detecção do vírus de imunodeficiência."

Na mesma esteira, vem a Resolução 1.665 / 2003 do Conselho Federal de Medicina, Art. 4º: "É vedada a realização compulsória de sorologia para HIV."

Pelas normativas expostas, concluímos que não se deve solicitar sorologia para HIV de forma compulsória, em nenhuma hipótese.

Algumas perguntas são freqüentes sobre o tema:

a) No exemplo de um instrumentador cirúrgico: não há o risco de contaminação dos pacientes, caso ocorra um acidente com perfurocortante, e esse instrumentador seja HIV positivo? O Médico do Trabalho / “Médico Examinador” não deveria pedir o teste de HIV no exame admissional para os instrumentadores cirúrgicos?

R.: Há um incontestável risco de contaminação de pacientes, caso ocorra um acidente com perfurocortante envolvendo um profissional que seja HIV positivo (seja instrumentador cirúrgico, seja o próprio médico, etc.). Nossa legislação, no entanto, entende que apesar do risco evidente, não há fator impeditivo para que este profissional exerça a função de instrumentador cirúrgico, apenas pelo fato de ser HIV positivo. A razão é compreensível: que tipo de cuidado diferente para se evitar um acidente com perfurocortante tem o trabalhador que é HIV positivo, quando comparado a um trabalhador que tem sorologia desconhecida? Absolutamente nenhum! A prevenção deve seguir o mesmo rigor, para TODOS os trabalhadores (independente da sorologia). Dessa forma, a solicitação do teste de HIV é proibida, inclusive para trabalhadores da área da saúde, sob pena de ser qualificada como conduta discriminatória. Para reflexão: já imaginaram se todos os pacientes tivessem o direito de exigir sorologia de HIV, Hepatite, etc., para os cirurgiões que os fossem operá-los?

b) Voltando ao exemplo de um instrumentador cirúrgico, caso já tenha ocorrido o acidente com perfurcortante, mas não há confirmação que este instrumentador seja HIV positivo: poderá esse trabalhador se recusar a fazer o teste anti-HIV, caso solicitado?

R.: Sim. Vejamos o que diz o Manual de Condutas em Exposição Ocupacional à Material Biológico do Ministério da Saúde:

“A solicitação de teste anti -HIV deverá ser feita com aconselhamento pré e pós-teste do paciente-fonte com informações sobre a natureza do teste, o significado dos seus resultados e as implicações para o profissional de saúde envolvido no acidente.”

E continua:

“A recusa do profissional para a realização do teste sorológico ou para o uso das quimioprofilaxias específicas deve ser registrada e atestada pelo profissional.”

Percebemos que o próprio Ministério da Saúde considerou a possibilidade de recusa do profissional para realização do teste de HIV. Tanto assim, que preconizou o início da quimioprofilaxia preventiva em casos de acidentes com perfurocortantes, mesmo sem a certeza quanto à sorologia do paciente/trabalhador-fonte.

Pelo exposto, perguntamos também: de acordo com o Protocolo do Ministério da Saúde, qual a diferença de conduta pós-acidente quando se tem conhecimento que o paciente/trabalhador fonte é HIV positivo, quando comparamos com uma situação onde não se conhece a sorologia do paciente/trabalhador fonte? De novo, absolutamente nenhuma! A quimioprofilaxia preventiva será realizada, de igual forma, nos dois casos.

Ora, se despirmos honestamente de todos os nossos preconceitos, fica fácil entender porque a solicitação de HIV de forma compulsória é proibida, mesmo para trabalhadores que atuam em ambiente hospitalar: se as prevenções pré-acidentes e as condutas pós-acidentes são as mesmas para trabalhadores e pacientes HIV positivos, ou com sorologias desconhecidas, a ausência do conhecimento prévio da sorologia não gera prejuízo, nem na prevenção do acidente, nem nos procedimentos pós-acidentes. Qual seria a justificativa da obrigatoriedade da solicitação da sorologia de HIV, se não a justificativa discriminatória?

c) Solicitar exame para hepatite também é proibido?

R.: O tema HIV, por toda repercussão que provoca, conseguiu ser mais legislado do que outras situações de saúde. Nosso entendimento, é que a análise de hepatite, e todas as doenças de transmissão através do sangue, sejam feitas de forma análoga a análise do HIV, parcimoniosa e dentro do maior bom senso e discrição possíveis. Só não valem condutas discriminatórias!

d) Já que não é permitido pedir sorologia para HIV nos exames relacionados ao emprego, isso implica dizer que um trabalhador HIV positivo sempre estará apto ao trabalho?

R.: De forma alguma! O que a legislação entende é que não é pela sorologia de HIV que se define o “apto” ou “inapto”. Apenas isso. Agora, se o quadro clínico do trabalhador estiver incompatível com sua função, ele certamente deverá ser considerado “inapto” ao trabalho, sob pena de estar havendo omissão e negligência do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” ao expor esse empregado à condições incompatíveis com seu quadro, condições estas que podem oferecer riscos ao próprio empregado.

Percebam: a inaptidão pelo empregado estar debilitado clinicamente é permitida (e necessária). Já a inaptidão apenas pelo fato do empregado ser HIV positivo (mesmo gozando de boas condições de saúde) é discriminatória, nos termos da legislação em vigor.

Concluindo: por mais controverso que pareça aos olhos de muitos profissionais da saúde (médicos, inclusive), as leis brasileiras entendem que o fato do indivíduo ser HIV positivo não o impede, só por essa circunstância, do exercício de QUALQUER função laboral. Seja no serviço privado, ou serviço público federal (conforme normativas acima), a solicitação rotineira e obrigatória de teste para detecção de HIV configura-se como prática discriminatória.

Um forte abraço a todos.

Que Deus nos abençoe.

Marcos H. Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

Julgado relacionado ao tema: http://bit.ly/khDjK7

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

DECISÃO DO MÉDICO DO TRABALHO OU PERITO DO INSS?

Vídeo-aula sobre esse texto:




Prezados leitores.

Um dos maiores problemas na prática da Medicina do Trabalho se estabelece quando: o Médico do Trabalho / "Médico Examinador", após ter qualificado o empregado como “inapto” à determinada função, o encaminha para o serviço de Perícias Médicas do INSS, sugerindo, mediante atestado médico, determinado lapso de tempo para respectivo tratamento e recuperação.

O Médico Perito do INSS, por sua vez, após concessão de benefício previdenciário por um prazo menor do que o sugerido pelo Médico do Trabalho / "Médico Examinador", qualifica este empregado como “capaz” para retorno às suas atividades laborais. Qual a conduta mais apropriada do Médico do Trabalho / "Médico Examinador" a partir daí, com relação ao empregado, a empresa, e ao INSS?

A Norma Regulamentadora n. 7 (NR-7) assim nos traz no item 7.4.4.3: “o ASO (atestado de saúde ocupacional) deverá conter no mínimo: (e) definição de apto ou inapto para a função específica que o trabalhador vai exercer, exerce ou exerceu". Uma análise literal da norma supra nos mostra que essa definição de aptidão / inaptidão é prerrogativa do Médico do Trabalho / "Médico Examinador", a quem coube a função de emitir o ASO.

No entanto, a Lei 11.907 / 09, em seu Artigo 30, parágrafo 3, assim coloca: "compete privativamente aos ocupantes do cargo de Perito Médico Previdenciário ou de Perito Médico da Previdência Social ..., em especial a: (I) emissão de parecer conclusivo quanto à capacidade laboral para fins previdenciários."

Verifica-se aqui, o que no estudo do Direito recebe o nome de antinomia, ou seja, a presença de duas normas conflitantes, gerando dúvidas sobre qual delas deverá ser aplicada ao caso exemplificado. No caso em tela, a Lei 11.907 / 09 goza de uma posição hierárquica privilegiada em nosso ordenamento jurídico, uma vez que se classifica como Lei Federal Ordinária, enquanto que a NR-7 foi editada por força da Portaria do MTE n. 24 / 1994. Sendo assim, deve prevalecer a Lei 11.907 / 09.

Outras normativas corroboram no sentido de que a decisão do Médico Perito do INSS deva, legalmente, prevalecer sobre a decisão do Médico do Trabalho / "Médico Examinador":

Súmula 32 do TST: “Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer.”

Nosso comentário: vemos que aptidão ao trabalho é conferida pela cessação do benefício previdenciário definida pelo Médico Perito do INSS, e não pelo Médico do Trabalho / "Médico Examinador". Lembramos também que o abandono de emprego é considerado uma “justa causa” de rescisão do contrato de trabalho, conforme art. 482 da CLT.

Lei 605 / 49, art. 6, parágrafo 2º: “A doença será comprovada mediante atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado, e, na falta deste e sucessivamente, de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria; de médico da empresa ou por ela designado; de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública; ou não existindo estes, na localidade em que trabalhar, de médico de sua escolha.”

Nosso comentário: essa lei deixa clara a hierarquia existente entre os atestados médicos para fins de abonos de faltas ao trabalho. Nessa hierarquia, o atestado de médico da instituição da previdência social prevalece sobre o atestado de médico da empresa ou por ela designado (Médico do Trabalho ou "Médico Examinador").

Súmula 15 do TST: “A justificação da ausência do empregado motivada por doença, para a percepção do salário-enfermidade e da remuneração do repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados médicos, estabelecida em lei."

Nosso comentário: em outras palavras, essa Súmula diz que deve ser obedecida primeiro a decisão do Médico Perito do INSS, para só depois, a decisão do Médico do Trabalho / "Médico Examinador".

Por toda fundamentação legal exposta na situação exemplificada na introdução deste texto, ao receber esse empregado do serviço de Perícias Médicas do INSS, nosso entendimento é de que o Médico do Trabalho / "Médico Examinador" deverá:

·         explicar ao trabalhador todas as repercussões (inclusive legais) do impasse instalado;

·         enfatizar junto ao empregado sobre todos os possíveis riscos à saúde advindos do seu ambiente de trabalho, nos termos dos Artigos 12 e 13 do novo Código de Ética Médica;

·         orientar e auxiliar esse segurado quanto a interposição de pedido de reconsideração (PR) ou recurso junto ao INSS, explicando-lhe todas as possíveis consequências de cada possibilidade;

·         orientar e auxiliar esse segurado quanto a possibilidade de ação judicial em face da decisão proferida pelo serviço de perícias médicas do INSS, também explicando-lhe as possíveis repercussões;

·         enquanto vigorar a discordância com o serviço de perícias médicas do INSS, deverá considerar o empregado “apto” ao trabalho, revogando, inclusive, o seu próprio atestado, já emitido quando do encaminhamento inicial do empregado ao INSS. Nesse período de impasse, não há sustentação legal para que o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” (que age como se empresa fosse, conforme interpretação extraída do art. 932, inciso III, do novo Código Civil) confronte a decisão do Médico Perito do INSS, não recepcione esse empregado no trabalho, e ainda o mantenha afastado (especialmente, sem o pagamento do respectivo salário desse trabalhador). Sobre o tema, assim se posicionou o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais / MG (RO nº 01096-2009-114-03-00-4):

EMENTA: AFASTAMENTO DO EMPREGADO. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INAPTIDÃO DECLARADA PELO MÉDICO DA EMPRESA. Comprovada a tentativa do autor de retornar ao trabalho e atestada a sua capacidade pela autarquia previdenciária, cabia a reclamada, no mínimo, readaptar o obreiro em função compatível com a sua condição de saúde, e não simplesmente negar-lhe o direito de retornar ao trabalho, deixando de lhe pagar os salários. Como tal providência não foi tomada, fica a empregadora responsável pelo pagamento dos salários e demais verbas do período compreendido entre o afastamento do empregado e a efetiva concessão do beneficio previdenciário.

Portanto, além da devida documentação em prontuário médico, sugerimos que esse ASO de aptidão vá acompanhado de um documento que apresente a seguinte redação:

“O paciente ____ , RG _____ , teve o pedido de prorrogação (PP) indeferido, e/ou pedido de reconsideração (PR) indeferido, e/ou término de seu auxílio-doença em __/__/__. Diante do exposto, com fulcro no Artigo 482, alíneas “e” e “i” da CLT, combinado com Súmulas 15 e 32 do TST, e nas Leis 11.907 / 09 (art. 30, inciso I) e 605 / 49 (art. 6, parágrafo 2), sem outra alternativa de conduta, me submeto à decisão do INSS, e o qualifico como apto para retorno ao trabalho, com as devidas recomendações, enquanto se aguarda resposta ao pedido de reconsideração (PR) / recurso / nova perícia / decisão judicial. Recomendações: _____ .”

No entanto, sabemos que, na prática, muitas vezes, as “recomendações” (que muitos colegas preferem caracterizar com o uso do termo “restrições”) solicitadas praticamente se equivalerão à própria inaptidão desse empregado. Por isso, a partir de então, o bom senso e a boa habilidade de diálogo do Médico do Trabalho / "Médico Examinador" junto ao empregado, ao empregador e ao INSS é que definirão a melhor conduta a ser tomada, sempre visando o bem maior: a preservação da dignidade, e da saúde do trabalhador (princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado pelo art. 1o, inciso III da Constituição Federal de 1988). Sugerimos algumas possíveis condutas:

·         quanto ao INSS: caso haja possibilidade de aproximação com o serviço de perícias médicas do INSS no sentido de viabilizar uma solução para o caso, o Médico do Trabalho / "Médico Examinador" deverá fazê-lo;

·         quanto ao empregador: nosso entendimento está firmado no sentido de que o empregador precisa entender toda essa problemática, com todos os seus fundamentos legais, e também as prováveis repercussões em casos de processos judiciais futuros. Assim, o ideal, é que haja um posto de trabalho inócuo (não nocivo) à saúde do trabalhador, e que o empregado atue por lá enquanto não estiver no pleno de sua capacidade laboral (do ponto de vista do Médico do Trabalho / "Médico Examinador"). Isso não deve ser confundido com o chamado "desvio de função", comumente usado para fins de pagamentos de menores salários. No caso em questão, o motivo da mudança da atividade laboral se justifica pela preservação da dignidade do empregado, uma garantia constitucional. A manutenção do empregado na mesa função (caso haja possibilidade de agravamento da doença / acidentes) deve ser fortemente contraindicada. Além dos riscos indesejáveis ao trabalhador, caso haja algum dano, o próprio empregador poderá ser penalizado com fulcro nos artigos 129 e 132 do Código Penal, e 927 do novo Código Civil. Dessa forma, não havendo algum ambiente inócuo em que se possa acomodar o empregado durante sua completa convalescença,  até mesmo a permanência do empregado em sua própria residência, sem o desconto no respectivo salário (situação em que a falta será considerada justificada, conforme art. 131 da CLT) deverá ser considerada pelo empregador.

Na vigência do impasse entre Médico Perito do INSS e Médico do Trabalho, a empresa poderá dispensar esse empregado?

Sendo considerado “capaz” pelo Médico Perito do INSS, a dispensa do empregado (rescisão do contrato de trabalho, sem justa causa), em tese, está permitida por lei. Lembremos que de forma submissa ao INSS o Médico do Trabalho / "Médico Examinador" terá que considerá-lo “apto” para retorno ao trabalho, logo, também estaria “apto” num eventual exame demissional que fizesse. Ratificamos que os critérios seguidos pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador”, em todos os exames ocupacionais (admissional, periódico, demissional, etc.), devem ser os mesmos para que não haja avaliações discriminatórias, com “dois pesos e duas medidas”. No entanto, mesmo com a possibilidade legal da dispensa arbitrária (sem justa causa) desse empregado pelo empregador, entendemos que tal conduta deva ser muito bem pensada (veja nossa proposta de conduta em outro texto desse blog, link: http://bit.ly/rdHf0n ). Há exemplos de empregados dispensados que, mesmo estando “aptos” pelo Médico Perito do INSS, e pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador” no exame demissional, alegaram judicialmente que não poderiam ter sido desligados da empresa naquele momento por questões relacionadas à saúde, e obtiveram indenizações favoráveis (conforme melhor elucidamos em outro texto desse blog, link: http://bit.ly/AF84yJ ).

Vale lembrar que a Justiça do Trabalho considera o empregado como a parte hipossuficiente na relação de trabalho, o que demanda uma série de precauções a serem tomadas pelo empregador na construção de sua própria segurança jurídica.

Inequivocamente, para explorarmos as situações mais dramáticas do nosso cotidiano, na situação exposta ao longo de todo esse texto, praticamente desconsideramos as possibilidades de sucesso dos pedidos de reconsideração (PR) junto ao INSS, e até mesmo das sentenças favoráveis ao empregado em ações judiciais instauradas.

Concluindo: legalmente, com relação à aptidão laboral, a decisão do Médico Perito do INSS deve prevalecer sobre a decisão do Médico do Trabalho / "Médico Examinador", por mais polêmico que isso seja. No entanto, o assunto extrapola as balizas legais fazendo com que o Médico do Trabalho / "Médico Examinador" assuma uma posição de destaque na conciliação de todos os atores envolvidos: empregado, empregador e INSS. Oportuno ratificar que a submissão legal do Médico do Trabalho / "Médico Examinador" jamais pode ser confundida com negligência médica. Isto é, o fato de o Médico do Trabalho / "Médico Examinador" ter que acatar (mesmo não concordando) a decisão do Médico Perito do INSS, por obediência legal, não o afasta do cuidado com o trabalhador em nenhuma hipótese. Numa tentativa de sempre sintonizar as condutas entre Médico Perito do INSS, e Médico do Trabalho / “Médico Examinador”, sugerimos a leitura de outro texto desse blog, link: http://bit.ly/rdHf0n

O Médico do Trabalho que, mesmo não concordando, se submete à decisão do Médico Perito do INSS tem sua autonomia afrontada?

Muitos dirão: “a sugestão de conduta proposta ao longo desse texto afronta a autonomia do ato médico praticado pelo Médico do Trabalho, e, portanto, fere o Código de Ética Médica.” Lembremos que toda autonomia profissional é balizada pela legislação vigente. Toda! Por exemplo, o juiz de direito tem autonomia para julgar como quer, mas se afrontar alguma lei, terá sua sentença revista e poderá responder administrativamente e judicialmente. Os jornalistas têm autonomia para falar o que desejarem, mas se violarem as leis, poderão ser punidos.  Enfim, nem o próprio Presidente da República goza de autonomia plena, também tendo seu exercício balizado legalmente. Quanto ao médico, por que a regra seria diferente? O próprio Código de Ética Médica dedica o maior número de suas páginas restringindo a autonomia dos médicos. Tanto é assim, que dos 14 capítulos do novo código, 11 começam com o dizer “é vedado ao médico...”, o que em outras palavras significa: o médico não tem autonomia para...

Para exemplificar melhor: a regra do Código de Ética Médica é o sigilo das informações obtidas quando do exercício profissional. Porém, o art. 73 do mesmo código faz ressalvas à obrigatoriedade desse sigilo, incluindo entre as causas o “dever legal” de se revelar as informações obtidas no ato médico. Isso implica dizer que, para que se cumpra a lei, dependendo do caso, o médico não tem autonomia para guardar determinadas informações de seus pacientes sob sigilo profissional pleno.

Importante lembrar que, pelas regras do nosso ordenamento jurídico, as leis possuem hierarquia privilegiada e devem prevalecer sobre às resoluções profissionais (como é o caso do próprio Código de Ética Médica), quando em eventuais conflitos entre essas normas (antinomia).

Em suma, o profissional médico goza de plena autonomia para tomar a conduta que melhor julgar em prol do seu paciente, desde que não ultrapasse os limites legais estabelecidos. A autonomia profissional jamais deu o direito de alguém exercer sua profissão fazendo tudo que quiser, e como quiser, mesmo que cheio de ótimas intenções. Que bom que seja assim! Os limites são necessários, sempre. Cabe aqui uma chocante (porém verdadeira) analogia: autonomia profissional (de qualquer profissão) é como liberdade de zoológico, ou seja, o profissional tem a liberdade que quiser, desde que não saia da jaula (aqui representando os limites legais).

Por todo exposto, concluímos que o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” que, mesmo não concordando, se submete à decisão do Médico Perito do INSS, o faz, acima de tudo, por correto cumprimento do seu dever legal. A autonomia do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” deve ser sempre respeitada, desde que não ultrapasse os limites legais estabelecidos.

Quais as conseqüências possíveis para o Médico do Trabalho que, discordando da conduta do Médico Perito do INSS, faz valer sua própria decisão?

Mais uma vez, ressaltamos que não defendemos uma concordância “cega” e inconseqüente do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” para com o Médico Perito do INSS. Muito pelo contrário! O que propomos é que, na vigência do impasse, a decisão do Médico Perito do INSS seja acatada pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador” por uma questão legal (conforme já vimos de forma fundamentada), e que o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” assuma uma posição mediadora entre empregador, empregado e INSS, sempre defendendo a saúde do trabalhador. Nesse contexto, por exemplo, se o Médico Perito do INSS concedeu capacidade laboral ao trabalhador, e o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” entenda que não há essa capacidade, poderá considerá-lo: (a) “apto com recomendações”, ou (b) “apto com contraindicação à função”, conforme sugerimos em outro texto desse blog, link: http://bit.ly/rdHf0n

Conforme já colocado nesse texto, e aqui enfatizado, até mesmo um maior tempo de repouso do empregado, em sua própria residência, mediante remuneração do empregador, deve ser considerado. Obviamente que, em todas essas situações, o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” deverá sair de seu consultório e se tornar um eficaz gerenciador de conflitos, um mediador de calorosos diálogos. Deverá explicar, tanto ao empregador, quanto ao trabalhador, toda legislação (já mostrada nesse texto) e demais repercussões referentes a esse tema.  Talvez seja essa a dificuldade de muitos médicos, e é justamente deles que a sociedade mais necessita.

Muitos dirão: “legalmente esse texto está correto, mas o Médico do Trabalho jamais deve se submeter à decisão do Médico Perito do INSS, caso não concorde com essa decisão”. Obviamente que o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” tem todo direito de não concordar com a conduta que sugerimos nesse texto. Mas quando esse profissional reconhece que os fundamentos legais estão corretos, na verdade, não está discordando desse texto, mas das leis do nosso país. Apenas fazendo uma analogia, é provável que muitos não concordem com o elevado imposto de renda que pagamos... e mesmo assim pagamos. Por que? Pois trata-se de uma questão legal, e sua não obediência traz conseqüências indesejáveis. Assim, uma coisa é não concordar e lutar para que as leis se modifiquem. Outra coisa, bem diferente, é não cumprir as leis estabelecidas, de forma deliberada. Se a moda pega, instala-se de fato a anarquia. Que Deus nos livre disso.

Alguns ainda sustentarão: “é uma falta de responsabilidade e negligência do Médico do Trabalho conferir aptidão laboral a alguém, apenas por obediência à decisão do Médico Perito do INSS”. Falando em responsabilidade, imaginemos então que um Médico do Trabalho / “Médico Examinador” insista em qualificar como “inapto” um trabalhador que acaba de retornar do INSS com a capacidade laboral reconhecida. Mesmo sendo uma conduta ilegal (conforme fartamente exposto nesse texto), essa conduta poderia até ser qualificada como “parcialmente responsável”, uma vez que se reveste de uma ótima (e verdadeira) intenção: a proteção da saúde do trabalhador.

No entanto, para que essa conduta seja qualificada como “completamente responsável”, o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” deverá também alertar o trabalhador sobre todos os riscos dessa “ilegalidade muito bem intencionada”, num discurso completo, parecido com esse: “Sr. Trabalhador, o Perito do INSS entende que o Senhor pode voltar ao trabalho, mas eu discordo e o qualificarei como ‘inapto’ (descumprindo assim a Leis 605 / 49 e a Lei 11.907 / 09). Sendo assim, fique em sua residência até sua saúde melhorar por completo. Não se preocupe, pois se nem a Justiça, e nem o INSS reconhecerem seu benefício; e também o empregador não concordar em pagar o seu salário integral durante sua ausência (conforme permitido pela interpretação do art. 60, parágrafo 3o, da Lei 8.213 / 91), eu mesmo pagarei. Mais do que isso: se em virtude das muitas faltas ao trabalho, o Senhor for dispensado do emprego por justa causa (nos termos do art. 482, alíneas “e” e “i”, da CLT), eu mesmo vou pagar o seu acerto como se fosse uma dispensa sem justa causa, ou seja, o Senhor não perderá os seus direitos.” Fica então a pergunta: vale a pena o Médico do Trabalho / “Médico Examinador”, mesmo que cheio de ótimas intenções, agir de forma ilegal, afrontar a decisão do Médico Perito do INSS, e assumir todas as conseqüências disso?
         
Pra finalizar esse tópico, é muito comum ouvirmos pacientes que regressam de uma perícia médica do INSS dizendo: “o médico nem me examinou”. É bom lembrarmos que essa afirmação está vindo, quase sempre, de alguém que teve sua pretensão resistida. Pode ser absolutamente verdadeira, mas também pode não ser. Independente da especialidade dos médicos que leem esse texto, sugerimos que esses profissionais façam ocasionalmente uma avaliação anônima dos seus próprios atendimentos. Muitos se surpreenderão! Por melhores que sejam esses médicos, alguns pacientes reprovarão suas condutas e relações interpessoais. Alguns os criticarão impiedosamente. Muitos também dirão: “esse médico nem me examinou”. Mas isso não será motivo para culpas e intranquilidades! O fato é que jamais qualquer médico conseguirá agradar a todos a quem atende. Jamais! Conforme o secular ditado, “o médico só pode se considerar maduro e experiente quando, ciente de todas as insatisfações dos seus pacientes, consegue amá-los cada dia mais.” Esse deve ser o caminho dos que escolheram a medicina como ofício.

Com todo respeito às opiniões divergentes, esse é o meu raciocínio.

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha