terça-feira, 29 de novembro de 2011

ATESTADO AO INSS DEVE INDICAR DIAS DE AFASTAMENTO?

Prezados leitores.

Eis uma questão intrigante. Vejamos o que nos traz a Lei 11.907 / 2009, em seu Artigo 30, parágrafo 3:

"Compete privativamente aos ocupantes do cargo de Perito Médico Previdenciário ou de Perito Médico da Previdência Social ..., em especial a: (I) emissão de parecer conclusivo quanto à capacidade laboral para fins previdenciários."

Pelo exposto, concluímos que, nas vias administrativas, é o Perito Médico da Previdência (PMP) quem define se o já segurado receberá (ou não) algum benefício previdenciário, e também, a quantidade de dias de afastamento, caso se constate alguma incapacidade laboral.

Sendo assim, deveria (ou não) Médico Assistente solicitar a quantidade de dias de afastamento do trabalho quando do encaminhamento de seu paciente para perícia previdenciária?  

Já que será o PMP quem definirá o lapso temporal de afastamento, não seria melhor que o Médico Assistente omitisse essa solicitação e deixasse a decisão integralmente sob responsabilidade do PMP?

Sobre o assunto, já se posicionou o Conselho Federal de Medicina (CFM), através do Artigo 3o da Resolução 1.658 / 2002, que assim nos traz:

“Art. 3o, Parágrafo único: Quando o atestado for solicitado pelo paciente ou seu representante legal para fins de perícia médica deverá observar:

VI - o provável tempo de repouso estimado necessário para a sua recuperação, que complementará o parecer fundamentado do médico perito, a quem cabe legalmente a decisão do benefício previdenciário, tais como: aposentadoria, invalidez definitiva, readaptação.”

Assim, enquanto essa normativa do CFM estiver em vigor, dúvidas não restam de que o Médico Assistente deve sim estipular o provável tempo de repouso necessário para afastamento laboral e recuperação de seu paciente, ao encaminhá-lo para o serviço previdenciário de perícias médicas. No entanto, muitos PMPs questionam a necessidade dessa resolução do CFM. Para alguns, ao indicar o lapso de tempo no encaminhamento para a perícia previdenciária, o Médico Assistente estaria induzindo o segurado a acreditar que certamente receberia os dias ali propostos, e que quando isso não ocorresse, esse mesmo segurado poderia reagir até mesmo com atos de violência (como muito temos visto). Entendo como compreensível a opinião dos PMPs que assim advogam.

Todavia, no meu entendimento, enquanto a Resolução do CFM 1.658 / 2002 estiver em vigor e tiver que ser observada, ao encaminhar um paciente para o serviço de perícias médicas da previdência, o mais importante de tudo é a orientação que o Médico Assistente dará a esse paciente. Sim! Ao estipular expressamente o tempo de repouso, o Médico Assistente deverá informar claramente ao segurado que o PMP poderá ter raciocínio divergente do Médico Assistente, e que neste conflito a decisão do PMP prevalecerá, por força da Lei 11.907 / 2009 (vide acima). Segue abaixo um outro texto legal que confirma a soberania de decisão dos PMPs frente a outros médicos:

Lei 605 / 49, Art. 6, Parágrafo 2º: “A doença será comprovada mediante atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado, e, na falta deste e sucessivamente, de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria; de médico da empresa ou por ela designado; de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública; ou não existindo estes, na localidade em que trabalhar, de médico de sua escolha.”

Percebemos que essa lei deixa clara a hierarquia existente entre os atestados médicos (sobretudo pelo uso da palavra sucessivamente). Nessa hierarquia, o atestado de médico da instituição da previdência social prevalece sobre todos os outros. Isso implica dizer, que a decisão documentada do PMP (que tem valor de atestado médico) deve ser acatada, por força legal, pelos outros médicos citados no texto. Aqui, não se trata de uma afronta à autonomia dos outros médicos por parte dos PMPs. Também não cabe a discussão quanto a quem é mais especialista no assunto, se Médico Assistente ou PMP. Não! Trata-se apenas de uma imposição legal (como é o pagamento do imposto de renda: sempre objeto de discordâncias e discussões calorosas, mas de cumprimento obrigatório por força da lei). Apenas isso. Simples assim.

Além da orientação sugerida, o Médico Assistente também deverá informar ao segurado que, caso não haja obtenção do benefício pretendido por indeferimento do PMP, há possibilidades de uma “segunda chance”, seja na instância administrativa (solicitando novamente o benefício; fazendo o pedido reconsideração; entrando com recurso; etc.) ou até mesmo na instância jurídica (acionando o INSS na Justiça por essa hipotética negativa indevida do benefício pleiteado). Se o segurado e/ou o Médico Assistente de fato acreditarem que houve algum equívoco na avaliação do PMP (o que é perfeitamente possível e natural quando se trata de interesses diversos sendo julgados à luz das ciências médicas), que sejam usadas então as citadas vias para obtenção do requerido benefício previdenciário. Alguém já disse (e disse muito bem): “que briguem as idéias, jamais os homens.” Diante de tantos caminhos possíveis para obtenção de benefícios previdenciários, a violência contra os PMPs é uma barbárie injustificável.

É o que sinceramente penso. Fiquem à vontade para opinar.

Um forte abraço a todos, e até a próxima segunda-feira (05/12) data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe.

Marcos H. Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

domingo, 27 de novembro de 2011

"ABRE A CAT?"

Prezados leitores.

Nasci na promissora cidade de Rondonópolis, estado do Mato Grosso, mas praticamente cresci e vivi em Goiânia, cidade que verdadeiramente aprendi a amar. Mesmo sendo bairrista, tenho que assumir: “quem te conhece não esquece jamais... oh, Minas Gerais!” Sábias palavras dessa canção...

Acabo de chegar de Belo Horizonte, a bela capital mineira onde cultivo amizades preciosas. Estive lá por 2 dias, falando sobre “Legislação do Trabalho & Saúde do Trabalhador” para um grupo de, aproximadamente, 35 médicos, que tive o prazer de conhecer há um ano e meio atrás. É impressionante o que o tempo faz com as pessoas! O grau de conhecimento e experiência adquirido por esse grupo em 18 meses já é algo notável. O que era para ser uma aula, virou uma importante troca de experiências e aprendizados. Fantástico!

Na viagem, tanto na ida, quanto na volta, me dediquei à leitura do recém-lançado livro do querido Dr. Lenz Alberto Alves Cabral, Médico do Trabalho de competência ímpar, e, sobretudo, um ser humano admirável. O título do livro, da Editora LTr, é “Abre a CAT?”. Nele, o Dr. Lenz aborda, com uma ótima didática, entre outros importantes temas, a “equação do nexo causal”. Trata-se de uma ferramenta de uso simples, que já venho usando em meus trabalhos desde 2009 (quando vi uma apresentação sobre o assunto, feita pelo próprio Dr. Lenz, em Salvador), e que muito tem me ajudado. Conforme o próprio autor, é uma ferramenta que ainda necessita ser aperfeiçoada, no entanto, indico o seu estudo, desde já, a todos os profissionais que atuam na área de saúde ocupacional.  

Além da valiosa “equação do nexo causal”, o livro traz também conceitos (para mim) novos e bem interessantes. Chamo a atenção para os conceitos de “Acidente Dupla Espécie” e “Doença Transocupacional”. Enfim, a obra é prazerosa em sua leitura e muito bem embasada. Recomendo.

Um forte abraço a todos e até terça-feira (29/11), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

REALIZAR EXAMES ADMISSIONAIS É OBRIGAÇÃO DO SUS?

Prezados leitores.

Eis uma pergunta que chegou através do meu e-mail.

“Dr. Marcos, boa tarde!

Trabalho na cidade de XXXXXX, que fica no interior do estado XXXXX. É muito comum eu estar atendendo no PSF (Programa de Saúde da Família) ou mesmo de plantão no Hospital Municipal, e trabalhadores me procurarem para que eu faça o exame admissional, exame demissional, etc. Não sou Médico do Trabalho, e muitas vezes, não sei nem a localidade de trabalho desses empregados. Pergunto: tenho obrigação de fazer esses exames?

Obrigado pela atenção.

XXXXX”

Essa é uma situação que muitos colegas médicos vivenciam. Antes de entrar no mérito da pergunta feita, entendo como necessário um breve enfoque no que tange a hierarquia das leis no Brasil (assim como já fizemos em outros textos desse blog).

Convém lembrar que o Brasil é um Estado Democrático de Direito. Nesse tipo de Estado, as leis costumam seguir uma hierarquia determinada. No Brasil, isso não é diferente. De maneira hiper simplificada, colocarei o ranking das principais normas que podem estar envolvidas com o assunto que trataremos:

1)  Constituição Federal  (a lei mais importante do Brasil, a qual todas as outras se submetem, e que nos Artigos 196 – 200 fala sobre o SUS e suas atribuições);
2)  Lei Ordinária / Decreto-Lei  (ex.: Lei 8.080 / 1990 e CLT);
3)  Resolução de Autarquias*.

*Autarquias são órgãos da Administração Pública Indireta, como por exemplo: CFM (Conselho Federal de Medicina), COFEN (Conselho Federal de Enfermagem), COFFITO (Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional), CFO (Conselho Federal de Odontologia), Conselho Federal de Fonoaudiologia, Conselho Federal de Psicologia, etc. O Código de Ética Médica é uma Resolução do CFM (Resolução 1931 / 2009).

Vejamos agora o que a Constituição Federal fala sobre a relação do SUS com o cuidado e proteção dos trabalhadores:

“Art. 200 - Ao sistema único de saúde (SUS) compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.”

Na mesma esteira, a Lei 8.080 / 1990 (Lei Orgânica de Saúde - que fala sobre o SUS e suas atribuições, com base nos Artigos 196 – 200 da Constituição Federal), assim coloca:

“Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
I - a execução de ações:
(c) de saúde do trabalhador.”

E prossegue:

“Art. 6o, § 3º: Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo:
V - informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional.” (grifo nosso)

Pelo exposto, fica evidenciada uma obrigação constitucional do SUS com relação ao cuidado com a saúde dos trabalhadores. A Lei 8.080 / 91 esclarece ainda que até os exames de admissão, periódicos e demissão compõem o acervo de atribuições do SUS para com os trabalhadores.

Muitos devem estar perguntando: “mas o cuidado com a saúde dos trabalhadores não é atribuição da empresa?”

Vejamos agora a combinação dos Artigos 157 e 168 da CLT (Consolidação das leis Trabalhistas):

“Art. 157 - Cabe às empresas:
I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho.”

“Art. 168 - Será obrigatório exame médico, por conta do empregador, nas condições estabelecidas neste artigo e nas instruções complementares a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho:
I - a admissão;
II - na demissão;
III - periodicamente.”

Obs.: posteriormente, a Norma regulamentadora n. 7 inseriu também os exames de mudança de função, e retorno ao trabalho.

Pelo que vimos, conforme a CLT, os exames admissionais, periódicos, etc., são de responsabilidade do empregador (e não do SUS).

E agora? Qual das leis deve prevalecer: CLT ou Lei 8.080 / 1990?

Verifica-se aqui, o que no estudo do Direito recebe o nome de ANTINOMIA, ou seja, a presença de duas normas conflitantes, gerando dúvidas sobre qual delas deverá ser aplicada ao caso singular. Para solucionar esse conflito de normas, a doutrina jurídica apresenta algumas alternativas, que devem ser usadas sucessivamente: (a) critério hierárquico (norma superior revoga a inferior); (b) critério da especificidade (norma especial revoga norma geral que trate do mesmo tema) , (c) critério cronológico (norma posterior revoga norma anterior).

No caso em tela, a Lei 8.080 / 1990 e a CLT ocupam a mesma posição hierárquica (status de Lei ordinária). Sendo assim, meu entendimento caminha no sentido de que a CLT é mais específica (e atualmente mais eficaz) do que a Lei 8.080 / 1991 no que se refere aos cuidados para com os trabalhadores, e portanto deve prevalecer. Tanto a CLT prevalece, que quando alguém é processado por negligência às regras de segurança e saúde no trabalho, esse alguém, em regra, é a empresa, e não o SUS.

Quando coloco que a CLT deve prevalecer sobre a Lei 8.080 / 1990, entendo também que esse fato não exclui as atribuições do SUS. Pelos consagrados princípios da universalidade e igualdade, o SUS não pode se furtar da responsabilidade de cuidar também da saúde do trabalhador, nos termos da lei. Apenas para refletirmos: como o SUS seria universal, negando ao trabalhador um exame periódico (conforme determina ao SUS a própria Lei 8.080 / 1990)?

No entanto, no que concerne ao cuidado para com os trabalhadores, acredito que o SUS tem uma responsabilidade subsidiária. Interpretando: a responsabilidade maior de cuidar da saúde do trabalhador é consagradamente da empresa. No entanto, caso a empresa seja negligente, o SUS não poderá se ausentar do cuidado para com o trabalhador, conforme Art. 200, inciso II da Constituição Federal, e nos consagrados princípios norteadores do SUS, explícitos na Lei 8.080 / 1990, entre eles o da universalidade e igualdade do atendimento.

A partir dessa presunção, muitos médicos do serviço público devem estar se perguntando, por exemplo:

Caso a empresa encaminhe um trabalhador para o meu posto de saúde, como vou fazer um exame admissional bem feito se não conheço os riscos existentes na empresa do trabalhador que estou avaliando? E quanto aos exames complementares: como saber, por exemplo, se devo ou não pedir uma audiometria se não conheço a realidade da empresa?

De fato não há como fazer um exame completo (que inclui os necessários exames complementares específicos para promoção da saúde de determinados trabalhadores em funções peculiares) sem o prévio conhecimento do ambiente de trabalho dessa empresa. Muitos médicos que se vêem nessa situação optam imediatamente pela recusa da realização desses exames, o que apesar de ser questionável no aspecto legal (conforme parágrafos anteriores), é uma conduta que compreendo. A justificativa usada por eles é o Código de Ética Médica, que no Capítulo II item V, diz que o médico não é obrigado a realizar procedimentos sem condições adequadas, salvo em casos de urgência e emergência.

Apesar da conduta imediata do médico de recusar a realização do exame (citada acima) ter o meu respeito e simpatia, legalmente falando, acredito que ela não seja a mais adequada num primeiro momento. Por que? Pois entendo que ela afronta diretamente o Art. 200, inciso II da Constituição Federal, lei maior do nosso país (superando em muito o Código de Ética Médica), que também delega ao SUS a responsabilidade de cuidado para com os trabalhadores. Assim, quando ocorrer de um trabalhador chegar no serviço público para solicitar, por exemplo, um exame admissional, entendo que o médico que o atende deve assumir o papel de “responsável médico examinador”, pelo menos enquanto não houver um médico indicado pela empresa para esse fim, conforme determina item 7.3 (e seguintes) da Norma Regulamentadora n. 7 (Portaria do MTE n. 24 / 1994). Nessa perspectiva, proponho as seguintes condutas (trata-se apenas de uma sugestão):

1)      Que o médico do serviço público deixe claro ao trabalhador que a responsabilidade maior de realização desse exame é da empresa, conforme Art. 157 e 168 da CLT;

2)      Que o médico do serviço público comunique ao trabalhador que só tem condições de concluir o exame admissional e emitir um ASO (Atestado de Saúde Ocupacional), se tiver conhecimento pleno do conteúdo de um documento chamado PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional), que deverá (ou pelo menos deveria) estar em posse da empresa. Nesse documento são indicados quais os riscos o trabalhador estará submetido, e os exames complementares pertinentes as esses riscos (caso haja), conforme item 7.4 (e seguintes) da Norma Regulamentadora n. 7 (Portaria do MTE n. 24 / 1994). Assim, o médico deve solicitar previamente esse documento, e colocar como condicionante da realização desse exame admissional, a avaliação do PCMSO dessa empresa. O texto pertinente do PCMSO deverá ser anotado no prontuário do paciente (se possível, xerocado), e com base nele, proceder o exame admissional com a respectiva solicitação dos exames complementares (caso haja). Ratifico ainda que, o ideal seria que o médico também visitasse o ambiente laboral do trabalhador em análise, o que na prática é muito difícil para o médico do serviço público; 

3)      Após satisfeitas todas essas etapas (incluindo a análise dos resultados dos exames complementares e respectiva anotação em prontuário do paciente), proceder então a emissão do ASO (Atestado de Saúde Ocupacional), nos termos do 7.4.4.3 da Norma Regulamentadora n. 7  (Portaria do MTE n. 24 / 1994), e assim concluir o procedimento relativo ao exame admissional desse trabalhador, cumprindo exatamente os mesmos moldes determinados na legislação celetista;

4)       Para que essa situação não se torne freqüente, a ponto de gerar acomodação no empregador quanto à atuação do médico do SUS como “médico examinador”, é recomendável que se notifique o Ministério do Trabalho / Ministério Público do Trabalho no sentido de exigir dessa empresa a indicação de um médico responsável pelos exames dos seus empregados, conforme determina o item 7.3 (e seguintes) da Norma regulamentadora n. 7 (Portaria do MTE n. 24 / 1994).

Percebam que a conduta que sugiro não afronta o Art. 200, inciso II da Constituição Federal, pois não isenta o SUS do cuidado para com os trabalhadores. Ao mesmo tempo, tal conduta não se faz negligente para o médico, uma vez que este exige um conhecimento prévio da empresa (através da análise do PCMSO) para efetivar o respectivo exame admissional, e solicitar todos os exames complementares que porventura sejam necessários.

E se a empresa não dispuser do PCMSO e ainda assim insistir para que o médico do SUS faça o referido exame admissional? Nesse momento sim, entendo como adequada a recusa do médico em realizar tal exame nos termos do Capítulo II, item V do Código de Ética Médica. Alguns irão perguntar: "mas isso não afrontaria o Art. 200, inciso II da Constituição Federal?" 

Imaginem a seguinte situação: um médico que cuida de um paciente diabético, que não está em situação de urgência / emergência, solicita uma exame de glicemia de jejum. Na consulta posterior, o paciente está bem clinicamente, mas não apresenta o exame solicitado. Age com ilegalidade ou negligência o médico que mantiver a medicação, remarcar a consulta, e ratificar que o tratamento só terá seguimento mediante verificação do exame de glicemia de jejum / hemoglobina glicosilada? Claro que não. Muito pelo contrário. Qualquer conduta do médico nesse momento, sem o conhecimento prévio do exame, poderia prejudicar o tratamento já instituído. De maneira análoga, é a exigência do PCMSO para efetivação do exame admissional. Na conduta que propomos, percebam que houve a disposição do médico em cuidar da saúde do trabalhador (nos termos do Art. 200, inciso II da Constituição Federal), mas para que as condições desse ato médico sejam adequadas (nos termos do Capítulo II, item V, do Código de Ética Médica) o PCMSO é imprescindível.  A confecção (e implementação) do PCMSO, no entanto, é de responsabilidade consagrada da empresa, nos termos do Art. 157 da CLT, e quanto a isso não há o que se discutir.

É bem provável também que o simples fato de o médico exigir o estudo do PCMSO da empresa para proceder a realização do exame, possa culminar com a adoção de medidas próprias dessa empresa para o cuidado com a saúde dos seus trabalhadores. É uma possibilidade cuja efetivação todos nós torcemos, pois remete ao empregador uma responsabilidade que, em primeira instância, de fato é dele. Caso isso não ocorra, eu repito: é recomendável que se notifique o Ministério do Trabalho / Ministério Público do Trabalho no sentido de exigir dessa empresa a indicação de um médico responsável pelos exames dos seus empregados, conforme determina o item 7.3 (e seguintes) da Norma regulamentadora n. 7 (Portaria do MTE n. 24 / 1994).

Em minha sugestão de conduta, citei como exemplo um exame admissional. Mas essa conduta extrapola-se para outros tipos de exames, tais como: periódico, demissional, mudança de função e retorno ao trabalho.

É o que sinceramente penso sobre o tema. Fiquem à vontade para opinar.

Um forte abraço a todos.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

SOU MÉDICO DO TRABALHO, E O AUDITOR DO MTE DISCORDA. E AGORA?

Prezados leitores.

Segue abaixo um e-mail que recebi há alguns dias (alguns detalhes foram omitidos intencionalmente para que o autor da mensagem fosse preservado).

“Olá Marcos.

Sou seu colega, Médico do Trabalho, conforme as normas da ANAMT (Associação Nacional de Medicina do Trabalho) / AMB (Associação Médica Brasileira) / CFM (Conselho Federal de Medicina). Fiz a prova de título de especialista por já ter mais de 5 anos de atuação na área de Medicina do Trabalho, e embora eu não tenha nenhum curso de Medicina do Trabalho (pós-graduação ou residência), consegui ser aprovado.

Ocorre que um auditor fiscal do Ministério do Trabalho da minha cidade (XXXXX-YY) resolveu pegar no meu pé! Segundo ele, eu sou obrigado a ter algum curso de Medicina do Trabalho, para só depois começar a assinar os PCMSOs. Ele se justifica na NR-4. Qual sua opinião legal sobre essa questão?

Obrigado, e parabéns pelo blog.

Dr. BBBBBBBB”

Ilustre Colega!

Antes de mais nada, se eu pudesse lhe dar um bom conselho, eu lhe diria o seguinte: sendo possível, nunca entre em “rota de colisão” (briga) com um auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego. A relação harmoniosa com os auditores deve ser sempre a primeira opção para o Médico do Trabalho, por inúmeros fatores. Não peço aqui para que você sempre abra mão de suas convicções. Não! O que lhe proponho é que suas argumentações com os auditores sejam feitas sempre em tom amistoso, elegante, educado, e de alto nível. Caso isso não ainda seja suficiente e a inegociável discordância se mantenha, procure a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE) da sua região, e saiba quais os caminhos existentes para levar essa discussão para uma outra instância (lhe adianto que esses caminhos existem).

Pois bem, retomando o seu questionamento: há fundamento legal no fato do auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego exigir que você tenha algum curso de Medicina do Trabalho (pós-graduação ou residência)? À luz apenas da Norma Regulamentadora n. 4 do Ministério do Trabalho e Emprego, há sim. Explico nos próximos parágrafos.

Primeiramente, é importante ressaltar que o conceito de “especialista em Medicina do Trabalho” varia de acordo com quem o emite. Lamentavelmente, ainda temos 3 conceitos distintos, o que gera inúmeras confusões, inclusive entre médicos. São eles: (1) conceito do MEC; (2) conceito da ANAMT/AMB/CFM; (3) conceito do Ministério do Trabalho e Emprego. Em resumo, cada um diz o seguinte:

1)      “Especialista em Medicina do Trabalho” para o MEC: possuidor do título de pós-graduação Lato Sensu em Medicina do Trabalho, emitido de acordo com a Resolução MEC/CNE/CES n. 01 / 2007. Essa norma traz a regra geral para TODAS as pós-graduações (independente de ser de Medicina do Trabalho, Marketing, Iluminação, Direito Agrário, etc., etc., etc.). Para o MEC, além de outras condições, qualquer pós-graduação (também chamada de “especialização”) deve ter, no mínimo, 360 horas; 50% dos professores devem ser mestres ou doutores; etc. Cumprida todas as determinações estabelecidas nessa resolução, o certificado de conclusão dará ao concluinte o status de “especialista”, conforme o MEC.

2)      “Especialista em Medicina do Trabalho” para a ANAMT/AMB/CFM: médico possuidor do Título de Especialista em Medicina do Trabalho e/ou portador do certificado de conclusão em Residência Médica reconhecido pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), conforme Art. 4 da Resolução 1634/2002 do CFM.

3)      “Especialista em Medicina do Trabalho” para o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE): para o MTE, Médico do Trabalho é o “médico portador de certificado de conclusão de curso de especialização em Medicina do Trabalho, em nível de pós-graduação, ou portador de certificado de residência médica em área de concentração em saúde do trabalhador ou denominação equivalente, reconhecida pela Comissão Nacional de Residência Médica, do Ministério da Educação, ambos ministrados por universidade ou faculdade que mantenha curso de graduação em Medicina”, conforme vigente item 4.4.1, alínea “b” da Norma Regulamentadora n. 4 (Portaria 3.214/78), que tem sua existência assegurada pelo Art. 162, parágrafo único, alínea “c” da CLT.

Pelo fato da Norma Regulamentadora n. 4 (NR-4) ser editada pelo próprio MTE, a quem os auditores fiscais estão subordinados, a NR-4 não pode ser negligenciada por esses profissionais. A NR-7 (outra norma também editada pelo MTE, e que por isso deve ser observada pelos auditores) diz que o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) deve ser coordenado por um “Médico do Trabalho” (salvo em localidades onde não haja disponibilidade desse profissional). Pergunto: a qual conceito de “especialista em Medicina do Trabalho” estaria se referindo a NR-7? Obviamente que ao conceito trazido pela NR-4, uma vez que todas as NRs foram editadas pelo mesmo ente, ou seja, o próprio MTE (a quem os auditores estão subordinados).

Portanto, meu Colega, se olharmos apenas a NR-4, há sim previsão legal na exigência do nobre auditor fiscal que está “pegando no seu pé”, e exigindo que, apesar do título de especialista que você possui (reconhecido pela ANAMT/AMB/CFM), você deva ter também alguma especialização (pós-graduação) ou residência médica, conforme nos ensina a própria NR-4, a quem o auditor está fortemente vinculado. Importante (apesar de óbvio): habitualmente, o auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego segue as regras do Ministério do Trabalho e Emprego (NRs), e não as da ANAMT/AMB/CFM.  

Apenas para ilustrar: nas faculdades, existe um quantitativo de professores que, sendo apenas “especialistas” (com certificados de pós-graduação reconhecidos pelo MEC) podem lecionar (mesmo não sendo mestres ou doutores). Caso os fiscais do MEC façam uma fiscalização nessas faculdades, a qual conceito de “especialista” esses fiscais irão seguir?  Obviamente que será ao conceito trazido pelo próprio MEC, a quem esses fiscais estão subordinados diretamente. Ou seja, no seu caso, apesar de ser “especialista” para ANAMT/AMB/CFM, pelo fato de não ser “especialista” para o MEC, em situações habituais, você também não poderia ministrar aulas em nenhuma faculdade. Viu como essa diferença de conceitos complica a vida de todo mundo?!

Voltando a sua questão propriamente dita, o que o auditor que está “pegando no seu pé” deve saber também (caso já não saiba), é que o fato de você não estar adequado ao conceito vigorante da NR-4, nada o impossibilita do exercício da Medicina do Trabalho, nos termos do Art. 17, da Lei 3.268 / 1957. Essa lei diz que o médico pode exercer a medicina em qualquer um de seus ramos (Pediatria, Cardiologia, Medicina do Trabalho, etc.) apenas pelo fato de estar inscrito no CRM de sua região. Ou seja, “se o médico tem CRM, ele pode exercer a medicina em qualquer uma de suas especialidades, mesmo não sendo especialista em nenhuma delas”. Alguns (especialmente não médicos) acharão isso grande um absurdo, mas é o que diz a lei.

Além disso, a Portaria DSST n. 11 / 1990, e a Portaria SSMT n. 25 / 1989, ambas editadas pelo MTE, garantem o pleno exercício profissional em Medicina do Trabalho para os médicos que se encontram registrados como "Médico do Trabalho", seja no CRM local, seja no MTE de sua jurisdição. Pelos bons anos já decorridos  da redação dessas portarias (e também pela pequena divulgação dada a elas), seus conteúdos, muitas vezes, são desconhecidos até os dias atuais, inclusive por alguns auditores fiscais do MTE.

Faz-se importante lembrar também que, conforme o Despacho n. 01 / 1996 do MTE, não há mais a obrigatoriedade de se registrar o Médico do Trabalho no MTE de sua jurisdição.

Concluindo: como na sua cidade existem outros “Médicos do Trabalho” disponíveis, se olharmos apenas a NR-4 / NR-7, há sim respaldo no fato do auditor solicitar que você não coordene nenhum PCMSO neste momento. Discutível? Claro que sim. Mas, à luz apenas das NR-4 / NR-7, não há incoerência na solicitação dele, uma vez que ele está diretamente subordinado às NRs citadas (normas expedidas pelo “patrão” dele, ou seja, o MTE).

Importante lembrar que em 2005, uma Nota Técnica expedida por um auditor fiscal do MTE chamado Daniel de Matos Sampaio Chagas (Nota Técnica n. 1 DMSC/DSST/SIT) determinou que “Médico do Trabalho” era quem possuísse Título de Especialista em Medicina do Trabalho e/ou fosse portador do certificado de conclusão em Residência Médica reconhecido pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), conforme Art. 4 da Resolução 1634/2002 do CFM. Foi uma tentativa de igualar os conceitos trazidos pelo MTE e ANAMT/AMB/CFM. No entanto, por mais que eu a admire, essa Nota Técnica não tinha força hierárquica para revogar o texto vigorante trazido pela NR-4, pois foi um documento unilateral expedido pelo citado auditor, e que não passou pelo crivo da comissão tripartite, como deve ocorrer com a edição de todas as NRs. Por sua vez, a NR-4, aprovada pela comissão tripartite, é amparada pela CLT, e essa última tem seu respaldo assegurado pela Constituição Federal. Assim, legalmente falando, hoje, continua valendo o conceito trazido pela NR-4 (e não o que fôra expedido pela Nota Técnica n. 1 DMSC/DSST/SIT).

Para acabar com conflitos dessa natureza, na minha opinião, o conceito de “especialista em Medicina do Trabalho” deveria ser apenas um, e determinado por aqueles que são os mais competentes em falar sobre as qualificações médicas, ou seja, ANAMT/AMB/CFM (falo sobre isso num texto desse blog que pode ser visualizado pelo link: http://bit.ly/qOsFP0 ).

É o que penso, meu ilustre Colega. Estou na torcida para que você solucione, da melhor forma possível, toda essa problemática.

Um forte abraço a todos e até quarta-feira (23/11), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O MÉDICO PODE PEDIR EXAME DE HIV NO ADMISSIONAL?

Prezados leitores.

Quando se fala na solicitação de sorologia para HIV em exames relativos ao trabalho, a polêmica facilmente se instaura.

Pela efervescência da matéria sobram normativas entre as quais citamos algumas:

Portaria 1.246 / 2010 do Ministério do Trabalho e Emprego, Art. 2º: "Não será permitida, de forma direta ou indireta, nos exames médicos por ocasião da admissão, mudança de função, avaliação periódica, retorno, demissão ou outros ligados à relação de emprego, a testagem do trabalhador quanto ao HIV.

Parágrafo único: O disposto no caput deste artigo não obsta que campanhas ou programas de prevenção da saúde estimulem os trabalhadores a conhecer seu estado sorológico quanto ao HIV por meio de orientações e exames comprovadamente voluntários, sem vínculo com a relação de trabalho e sempre resguardada a privacidade quanto ao conhecimento dos resultados."

Nosso comentário: essa portaria foi emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e é direcionada apenas aos que estão sujeitos à relação de emprego. Mas o que é relação de emprego? Trata-se de uma relação de trabalho que está calcada no regime celetista (CLT), como estabelece com seus empregados a maior parte das empresas. Os servidores públicos estaduais e municipais, por exemplo, podem estar submetidos à estatutos próprios que são omissos quanto a esse tema. Nesses casos essa portaria não teria validade (a menos que fosse objeto de discussão judicial ou administrativa, onde os efeitos dessa portaria fossem requeridos por analogia). Obs.: para os servidores públicos federais já existe a Portaria Interministerial 869 / 1992:

Portaria Interministerial 869 / 1992: "Proíbe, no âmbito do Serviço Público Federal, a exigência de teste para detecção do vírus de imunodeficiência."

Na mesma esteira, vem a Resolução 1.665 / 2003 do Conselho Federal de Medicina, Art. 4º: "É vedada a realização compulsória de sorologia para HIV."

Pelas normativas expostas, concluímos que não se deve solicitar sorologia para HIV de forma compulsória, em nenhuma hipótese.

Algumas perguntas são freqüentes sobre o tema:

a) No exemplo de um instrumentador cirúrgico: não há o risco de contaminação dos pacientes, caso ocorra um acidente com perfurocortante, e esse instrumentador seja HIV positivo? O Médico do Trabalho / “Médico Examinador” não deveria pedir o teste de HIV no exame admissional para os instrumentadores cirúrgicos?

R.: Há um incontestável risco de contaminação de pacientes, caso ocorra um acidente com perfurocortante envolvendo um profissional que seja HIV positivo (seja instrumentador cirúrgico, seja o próprio médico, etc.). Nossa legislação, no entanto, entende que apesar do risco evidente, não há fator impeditivo para que este profissional exerça a função de instrumentador cirúrgico, apenas pelo fato de ser HIV positivo. A razão é compreensível: que tipo de cuidado diferente para se evitar um acidente com perfurocortante tem o trabalhador que é HIV positivo, quando comparado a um trabalhador que tem sorologia desconhecida? Absolutamente nenhum! A prevenção deve seguir o mesmo rigor, para TODOS os trabalhadores (independente da sorologia). Dessa forma, a solicitação do teste de HIV é proibida, inclusive para trabalhadores da área da saúde, sob pena de ser qualificada como conduta discriminatória. Para reflexão: já imaginaram se todos os pacientes tivessem o direito de exigir sorologia de HIV, Hepatite, etc., para os cirurgiões que os fossem operá-los?

b) Voltando ao exemplo de um instrumentador cirúrgico, caso já tenha ocorrido o acidente com perfurcortante, mas não há confirmação que este instrumentador seja HIV positivo: poderá esse trabalhador se recusar a fazer o teste anti-HIV, caso solicitado?

R.: Sim. Vejamos o que diz o Manual de Condutas em Exposição Ocupacional à Material Biológico do Ministério da Saúde:

“A solicitação de teste anti -HIV deverá ser feita com aconselhamento pré e pós-teste do paciente-fonte com informações sobre a natureza do teste, o significado dos seus resultados e as implicações para o profissional de saúde envolvido no acidente.”

E continua:

“A recusa do profissional para a realização do teste sorológico ou para o uso das quimioprofilaxias específicas deve ser registrada e atestada pelo profissional.”

Percebemos que o próprio Ministério da Saúde considerou a possibilidade de recusa do profissional para realização do teste de HIV. Tanto assim, que preconizou o início da quimioprofilaxia preventiva em casos de acidentes com perfurocortantes, mesmo sem a certeza quanto à sorologia do paciente/trabalhador-fonte.

Pelo exposto, perguntamos também: de acordo com o Protocolo do Ministério da Saúde, qual a diferença de conduta pós-acidente quando se tem conhecimento que o paciente/trabalhador fonte é HIV positivo, quando comparamos com uma situação onde não se conhece a sorologia do paciente/trabalhador fonte? De novo, absolutamente nenhuma! A quimioprofilaxia preventiva será realizada, de igual forma, nos dois casos.

Ora, se despirmos honestamente de todos os nossos preconceitos, fica fácil entender porque a solicitação de HIV de forma compulsória é proibida, mesmo para trabalhadores que atuam em ambiente hospitalar: se as prevenções pré-acidentes e as condutas pós-acidentes são as mesmas para trabalhadores e pacientes HIV positivos, ou com sorologias desconhecidas, a ausência do conhecimento prévio da sorologia não gera prejuízo, nem na prevenção do acidente, nem nos procedimentos pós-acidentes. Sendo assim, qual seria a justificativa da obrigatoriedade da solicitação da sorologia de HIV, se não a justificativa discriminatória?

c) Solicitar exame para hepatite também é proibido?

R.: O tema HIV, por toda repercussão que provoca, conseguiu ser mais legislado do que outras situações de saúde. Nosso entendimento é de que a análise de hepatite, e todas as doenças de transmissão através do sangue, sejam feitas de forma análoga a análise do HIV, parcimoniosa e dentro do maior bom senso e discrição possíveis. Só não valem condutas discriminatórias!

d) Já que não é permitido pedir sorologia para HIV nos exames relacionados ao emprego, isso implica dizer que um trabalhador HIV positivo sempre estará apto ao trabalho?

R.: De forma alguma! O que a legislação entende é que não é pela sorologia de HIV que se define o “apto” ou “inapto”. Apenas isso. Agora, se o quadro clínico do trabalhador estiver incompatível com sua função, ele certamente deverá ser considerado “inapto” ao trabalho, sob pena de estar havendo omissão e negligência do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” ao expor esse empregado à condições incompatíveis com seu quadro, condições estas que podem oferecer riscos ao próprio empregado.

Percebam: a inaptidão pelo empregado estar debilitado clinicamente é permitida (e necessária). Já a inaptidão apenas pelo fato do empregado ser HIV positivo (mesmo gozando de boas condições de saúde) é discriminatória, nos termos da legislação em vigor.

Concluindo: por mais controverso que pareça aos olhos de muitos profissionais da saúde (médicos, inclusive), as leis brasileiras entendem que o fato do indivíduo ser HIV positivo não o impede, só por essa circunstância, do exercício de QUALQUER função laboral. Seja no serviço privado, ou serviço público federal (conforme normativas acima), a solicitação rotineira e obrigatória de teste para detecção de HIV configura-se como prática discriminatória.

Um forte abraço a todos e até a próxima segunda-feira (21/11), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe.

Marcos H. Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

Julgado relacionado ao tema: http://bit.ly/khDjK7

terça-feira, 8 de novembro de 2011

ADVOGADO PODE ACOMPANHAR PERÍCIA MÉDICA?

Prezados leitores.

Eis aqui uma questão de elevada polêmica: a participação de advogados como acompanhantes dos periciandos e/ou como representante de alguma das partes em uma perícia judicial que envolva doenças relacionadas ao trabalho, por exemplo.

Como acompanhante, o advogado poderá ou não participar do ato pericial? Melhor resposta: depende.

Sabemos que, em regra, os atos processuais são públicos. Mas essa publicidade merece ressalvas, senão vejamos o art. 5, LV, Constituição Federal de 1988:

“A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.”

Em perícias médicas para detecção (ou exclusão) de doenças, o exame clínico do periciando faz-se necessário. Um bom exame clínico, no entanto, requer uma análise detalhada do indivíduo, o que fatalmente expõe a sua intimidade.

Sobre o segredo profissional, assim dispõe o Novo Código de Ética Médica em seu art. 73:

“É vedado ao médico revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.”

            Todavia, na função pericial, a função do médico perito é exatamente a de revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, através de seu laudo pericial. Esse é o seu dever legal, uma vez que é auxiliar do juiz e da Justiça, conforme Art. 139 do Código de Processo Civil (CPC). Esse nobre encargo, no entanto, não dá ao médico perito o direito de abrir a intimidade do examinado para todas as pessoas interessadas no conteúdo do laudo pericial a ser confeccionado.

E se, por exemplo, o advogado da empresa (ou do periciando) quiser acompanhar o exame pericial, como deve agir o médico perito? Vejamos o que nos diz o Parecer n. 09 / 2006 do Conselho Federal de Medicina:

“O exame médico-pericial é um ato médico. Como tal, por envolver a interação entre o médico e o periciando, deve o médico perito agir com plena autonomia, decidindo pela presença ou não de pessoas estranhas ao atendimento efetuado, sendo obrigatórias a preservação da intimidade do paciente e a garantia do sigilo profissional, não podendo, em nenhuma hipótese, qualquer norma, quer seja administrativa, estatutária ou regimental, violar este princípio ético fundamental.”

Pela interpretação do inteligente parecer exposto, o que o médico perito deve se perguntar antes de permitir (ou não) a entrada de qualquer advogado no ato pericial, é: com a entrada desse advogado, estarei violando a intimidade desse periciando?

Se a resposta for "não" (exemplo: quando a entrada do advogado é solicitada pelo próprio periciando), não condenamos o fato do advogado acompanhar todo a diligência pericial, desde que se comporte como acompanhante que é. A justificativa é simples: se o maior interessado na sua intimidade (o periciando) abriu mão dessa prerrogativa, por que o médico a estaria preservando? Não há o menor sentido nisso. É como querer proteger um bem alheio que nem sequer existe mais. Ou como insistir em preservar os móveis de uma casa que já foi completamente esvaziada por livre vontade do próprio dono.

No entanto, se esse mesmo advogado acompanhante, de forma inoportuna (segundo a avaliação do perito), tentar interferir reiteradamente na diligência pericial, entendemos que o perito, como auxiliar do juiz que é (Art. 139 do CPC) deve se fazer respeitar, manter a ordem do ato pericial, e preservar a autonomia e imparcialidade de sua função. Isso poderá implicar, até mesmo, na solicitação da retirada do advogado do ambiente pericial.

Alguns dirão: “mas isso seria cerceamento de defesa.” Entendemos que não. Na mesma linha de raciocínio, veio a seguinte decisão:

“Não havendo previsão legal para a participação do advogado na perícia médico judicial, nem justificativa que ampare o pleito, não há nulidade, inexistindo cerceamento de defesa na realização do exame sem a sua presença.” (AI Nº 0014286-75.2011.4.03.0000/SP)

 Todo advogado, como fiel procurador da parte que é, já goza das prerrogativas que lhe são atribuídas pelo art. 435 do CPC:

A parte, que desejar esclarecimento do perito e do assistente técnico, requererá ao juiz que mande intimá-lo a comparecer à audiência, formulando desde logo as perguntas, sob forma de quesitos.”

No texto citado, onde lemos “a parte”, sem nenhum prejuízo, poderemos ler também “o advogado”. Por sua vez, acompanhar e participar da perícia de forma integral, sem nenhum tipo de reserva, é um direito do assistente técnico (e não do advogado), como nos ensina o Art. 421, parágrafo 1o, inciso I do CPC, combinado com Art. 429 da mesma carta.

            Voltando à pergunta: com a entrada do advogado em um ambiente pericial, o perito estaria violando a intimidade do periciando?

Se a resposta for "sim" (exemplo: quando o advogado da empresa insiste em acompanhar o exame clínico-pericial no reclamante, mesmo contra a vontade desse último), entendemos que o médico perito não deve permitir a entrada desse advogado, mas apenas a do assistente técnico devidamente nomeado, caso haja (exceto quando a entrada do advogado já vier ordenada via mandado judicial, o que torna crime e ato atentatório ao exercício da jurisdição o seu não cumprimento por parte do perito, como nos afirma, respectivamente, o art. 330 do Código Penal e o art. 14 do CPC). Acreditamos não ser difícil essa compreensão, nem mesmo entre os próprios advogados que acreditam ter o direito pleno de sempre participar de todos os passos de um ato médico-pericial. Afinal, nenhum de nós quer, por exemplo, que haja a exposição, forçada e desnecessária, da intimidade de um ente querido à terceiros. Se ao nosso ente querido isso não é desejável, por que expor o periciando ao mesmo constrangimento? Acreditamos que isso afrontaria, inclusive, o já consagrado princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1o, inciso III, da Constituição Federal).

Respeitamos a Lei 8.906 / 1994, especialmente no que tange ao seu art. 7o (direitos do advogado). Porém, em nenhum momento essa mesma lei faz a afirmação explícita de que o advogado tenha o direito pleno de participar de todos os atos periciais. Ao contrário, de mesma hierarquia e de forma mais específica quanto ao tema (resolvendo assim qualquer provável antinomia), o CPC nos ensina em seu art. 421, parágrafo 1o, inciso I, combinado com Art. 429 da mesma carta, que apenas ao assistente técnico é dado esse direito. Ao advogado, como representante da parte que é, caberá, caso queira, oportunamente solicitar esclarecimento do perito e do assistente técnico na forma de quesitos, conforme estabelece o art. 435 do CPC. No mesmo sentido veio a seguinte decisão:

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. EXAME PERICIAL. PRESENÇA DO ADVOGADO. DESNECESSIDADE. INEXISTENCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA OU ILEGALIDADE. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 343 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL. I - Cabe à parte indicar assistente técnico para acompanhar a realização da prova pericial. O auxiliar poderá participar dos atos periciais, bem como apresentar parecer, se entender necessário. II - A ausência de indicação de assistente técnico pelo interessado, a fim de acompanhar o trabalho do expert, não pode ser suprida pela participação do advogado durante a realização do exame pericial, por ausência de previsão legal. III - Não há ilegalidade ou cerceamento de defesa na decisão agravada, vez que restou garantida a realização da perícia médica, necessária a comprovação do direito do agravante, que afirma ser portador de diabete, hipertensão arterial, dislipidemia, hiperuricemia, gota com artrite e artrose em punho e cotovelo. IV - Afastada a alegação de violação à Súmula 343 do STJ, dirigida ao servidor público acusado em processo administrativo disciplinar, não guardando qualquer relação com o caso dos autos. V -Agravo não provido. VI - Agravo regimental prejudicado.”( AI 22787 SP 2009.03.00.022787-1)

Finalizando, quando a defesa da intimidade é exigida, é comum que alguns processos corram em segredo de justiça. Nessas situações, até mesmo o direito de retirada dos autos do cartório poderá ser negado ao advogado, como nos afirma o próprio Estatuto da Advocacia, em seu art. 7o, parágrafo 1o, inciso 1 (Lei 8.906 / 1994). Isso mostra a relatividade legal dos direitos do advogado, e a preocupação do legislador com a preservação da intimidade, na medida em que isso for possível e não obstrua o acesso à verdade dos fatos.

Um forte abraço a todos. Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

domingo, 6 de novembro de 2011

FLORIANÓPOLIS.

Prezados leitores.

Acabo de ministrar mais um final de semana de aula, dessa vez na bela “ilha da magia”, a linda Florianópolis/SC. Enriquecedor! Tive o privilégio de conhecer um grupo de, aproximadamente, 40 médicos muito interessados nos temas “Perícias Médicas / Medicina do Trabalho / Insalubridade e Periculosidade”.

Debates intensos, participação maciça e boas polêmicas discutidas: aprendizado em “mão dupla”. Já estou voltando pra casa. Levo na mala, além dos novos conhecimentos obtidos através de nossa boa troca de experiências, a certeza de ter conhecido pessoas hiper agradáveis. Valeu demais!

Um forte abraço a todos e até terça-feira (08/11), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha