Prezados
leitores.
O ASO
(Atestado de Saúde Ocupacional) não tem razão de existência se não estiver
dentro de um programa maior chamado PCMSO — Programa de Controle Médico de
Saúde Ocupacional.
Não
obstante a responsabilidade maior ser do empregador, nos termos do art. 157 da
CLT, entendemos que o médico que oferta ao empregador um “ASO avulso” (sem PCMSO) é
igualmente negligente, pois está vendendo “gato por lebre”.
Fiscalizar
as empresas no que tange ao cumprimento efetivo das normas de segurança e
medicina do trabalho é atribuição dos auditores fiscais do Ministério do Trabalho
e Emprego, conforme nos ensina o art. 156 da CLT. No entanto, os médicos que
atuam junto às empresas devem também orientá-las quanto às referidas normas.
Repousamos nosso entendimento no sentido de que o empregador que solicita um
“ASO avulso” deve tomar ciência por meio do médico responsável pela emissão do
ASO quanto à necessidade de se implantar na empresa o PCMSO, além de outros
programas que se fizerem necessários. Por quê? Pois o médico detém um
conhecimento que o empregador, apesar de ser o grande responsável pela implantação
do PCMSO, muitas vezes não possui.
Ressaltamos
aqui, que o ideal seria que nenhum ASO fosse feito, em nenhum lugar deste país,
se não estivesse em sintonia com o seu respectivo PCMSO. Mas iremos adiante, e continuamos este
texto também com base na farta prática vista todos os dias, em todos os lugares
do Brasil, onde se evidencia uma enormidade de “ASOs avulsos” sendo ofertados
às empresas pelas clínicas de Medicina do Trabalho.
E quais são as penalidades que o médico emitente do “ASO avulso” poderia
sofrer?
a) Apesar de ainda não ser uma prática
frequente, o auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) poderia
embargar e interditar a clínica de medicina do trabalho onde atendesse esse Médico
do Trabalho/”Médico Examinador”, ou a própria empresa (empregadora), conforme
item 3.3.1 da NR-3, além de também multá-la, conforme anexo II da NR-28. Há
relatos de que essa prática já é aplicada em algumas poucas cidades do Brasil.
b) Sobre a possibilidade de processos
judiciais, imaginemos que, no futuro, um dos empregados que deixou de fazer os
necessários exames complementares, acionasse juridicamente o empregador
(responsável pelo cumprimento integral das normas de segurança e medicina do
trabalho, conforme art. 157 da CLT; e também pela indenização decorrente dos
danos advindos do não cumprimento dessas normas, nos termos do art. 927 do
Código Civil) em virtude de uma hipotética doença ocupacional. É fato que
ninguém pode deixar de cumprir uma norma sob o argumento de não conhecê-la,
mas, e se esse empregador alegasse,
como própria defesa, que o responsável pela não realização dos necessários
exames complementares foi o “negligente médico”, que apenas lhe fornecia os
ASOs, e nunca o avisou quanto à necessidade de tais exames? Como o
empregador é o responsável maior pela implantação e efetivação do PCMSO (ainda
que desconheça tal atribuição), provavelmente teria que custear sozinho uma
hipotética indenização ao empregado (devido a chamada culpa in eligendo – art. 932, inciso III, do novo Código
Civil, ou seja, a empresa arcaria com a responsabilidade de ter
“escolhido mal” o médico que lhe prestou assessoria). No entanto, no momento da
instrução processual, o empregador poderia chamar o médico ao processo no sentido
de dividir com ele sua responsabilidade (denunciação da lide – art. 70, inciso
III, do Código de Processo Civil), ou mesmo entrar com uma ação futura contra
esse médico no sentido de reaver alguma indenização paga ao empregado (ação
regressiva – art. 934 do Código Civil).
c) Levando em conta as possibilidades
processuais, até mesmo penalmente
esse empregador / Médico do Trabalho/”Médico Examinador” poderia ser
penalizado, pelos fundamentos que se seguem:
·
Art.
19, § 2º, da Lei n. 8.213/1991: “Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de
cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho”. Obs.: como o médico atua
conjuntamente com a empresa no cumprimento das normas de segurança e medicina
do trabalho, ele também poderia ser acionado;
·
Art.
129 do Código Penal: “Ofender a
integralidade corporal ou a saúde de outrem tem pena de detenção de 3 meses a 1
ano; se resultar em lesão corporal de natureza grave, a pena estende-se para 5
anos e, nos casos de incapacidade permanente para o trabalho, a pena será de 2
a 8 anos”. Obs.: se qualificarmos como negligência intencional (dolosa)
a liberação dos ASOs sem os exames complementares necessários e obrigatórios à
algumas práticas laborais, entenderemos também que poderia haver, por parte do
empregador / médico, ofensa à integralidade corporal ou à saúde de algum
empregado, o que, de acordo com o Código Penal, se qualifica como crime;
·
Art.
132 do Código Penal: “Expor a
vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente pode acarretar pena de
detenção de 3 meses a 1 ano, se o fato não constituir crime mais grave”. Obs.:
se qualificarmos como negligência intencional (dolosa) a liberação dos ASOs
sem os exames complementares necessários e obrigatórios à algumas práticas
laborais, entenderemos também que haveria, por parte do empregador / médico,
exposição da vida ou saúde de um empregado a perigo direto ou iminente, o que,
de acordo com o Código Penal, também constitui crime.
Por
todas as possibilidades de pena descritas (mesmo que algumas nunca tenham sido
vistas em nossa prática), ressalto, mais uma vez, que o ideal seria que
nenhum ASO fosse feito, em nenhum lugar deste país, se não estivesse em
sintonia com seu respectivo PCMSO. Mas, caso o “ASO avulso” seja ofertado a
uma empresa, o mínimo que se exige do médico — que já está atuando de forma
negligente — é que ele documente que notificou a empresa quanto à necessidade
do PCMSO, e esta se recusou a fazê-lo. Esse documento poderá ser usado como
parte da defesa do médico num processo judicial futuro, embora não lhe dê
nenhuma garantia de que o magistrado não o impute alguma indenização / pena
pela conduta praticada. Esse documento também não isenta a clínica de medicina
do trabalho, e a própria empresa (empregadora), das penalidades possíveis
advindas do Ministério do Trabalho e Emprego. Ou seja, esse documento estaria
longe de demonstrar uma situação ideal, mas alguém já disse: “entre o ruim e o
péssimo, ainda é melhor o ruim”.
Um
forte abraço a todos.
Que
Deus nos abençoe.
Marcos
Henrique Mendanha
E-mail:
marcos@asmetro.com.br
Twitter:
@marcoshmendanha