Prezados leitores.
Foi publicada hoje no Diário Oficial da União a Resolução CFM n. 1.995/2012,
que dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.
Pacientes em estado terminal estão sempre no contexto de discussões éticas,
bioéticas, religiosas, legais, etc. Trata-se sempre de uma questão delicada e polêmica.
Não obstante às muitas outras discussões (e mudanças de convicções e
paradigmas) que certamente virão após a publicação dessa competente resolução, como
médico e advogado, tomei a liberdade de tecer alguns comentários sobre o texto
(nesse momento, pontuando mais as questões ligadas ao exercício médico). Os
comentários estão em azul.
Boa leitura! Estejam à vontade para discordarem, concordarem, levantar
novos olhares, etc.
Um forte abraço a todos.
Que Deus nos abençoe.
Marcos Henrique Mendanha
E-mail: marcos@asmetro.com.br
Twitter: @marcoshmendanha
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CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
RESOLUÇÃO CFM Nº 1.995, DE 9 DE
AGOSTO DE 2012
Diário Oficial da
União; Poder Executivo; Brasília, 31 ago. 2012, Seção 1, p.269-270
Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade
dos pacientes.
O CONSELHO FEDERAL
DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957,
regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958,
e pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004,
e
CONSIDERANDO a
necessidade, bem como a inexistência de regulamentação sobre diretivas
antecipadas de vontade do paciente no contexto da ética médica brasileira;
CONSIDERANDO a
necessidade de disciplinar a conduta do médico em face das mesmas;
CONSIDERANDO a
atual relevância da questão da autonomia do paciente no contexto da relação
médico-paciente, bem como sua interface com as diretivas antecipadas de
vontade;
CONSIDERANDO que,
na prática profissional, os médicos podem defrontar-se com esta situação de
ordem ética ainda não prevista nos atuais dispositivos éticos nacionais;
CONSIDERANDO que
os novos recursos tecnológicos permitem a adoção de medidas desproporcionais
que prolongam o sofrimento do paciente em estado terminal, sem trazer
benefícios, e que essas medidas podem ter sido antecipadamente rejeitadas pelo
mesmo;
CONSIDERANDO o
decidido em reunião plenária de 9 de agosto de 2012, resolve:
Art. 1º Definir
diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e
expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que
quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre
e autonomamente, sua vontade.
Comentário: Entendo que seria de bom alvitre que
essas diretivas antecipadas de vontade
fossem acompanhadas de um parecer psiquiátrico que definisse o grau de lucidez
e racionalidade do paciente. Há que se considerar também os estados de elevada
emoção no momento da redação dessas diretivas, que redundam, de forma frequente,
em arrependimento quanto aquilo que fora declarado.
Outra coisa de fundamental
importância: pela fragilidade do conhecimento dos médicos no que tange às
questões legais (civis, penais, etc.), torna-se imperativo que os médicos sejam
educados nesse sentido. Por que? Para que não haja o risco de que essas
diretivas (mesmo que bem intencionadas) afrontem questões legais, e acabem
penalizando judicialmente os médicos posteriormente. Assim, cabe também uma
outra discussão: para dar maior segurança ao ato médico a ser realizado, poderia o médico solicitar um parecer jurídico quanto ao conteúdo dessas
diretivas, sem que isso configure quebra de sigilo profissional? Reflitamos.
Art. 2º Nas
decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes
de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades,
o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.
Comentário: Particularmente, gostei do termo “levará
em consideração”. Pelo texto, não há a obrigação do médico em fazer o que está descrito
nas diretivas. Obviamente, que muitos não entenderão assim. Ou seja, discussões
(inclusive judiciais) podem surgir no futuro para análise desse tópico na
aplicação de casos concretos. Que os médicos estejam preparados.
§ 1º Caso o
paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão
levadas em consideração pelo médico.
Comentário: Mais uma vez, gostei do termo “serão levadas em consideração”. Mesmo assim, essa designação merecia ser melhor definida: deve ser feita por escrito? Com firma reconhecida? Mais:
quem pode ser o representante designado (irmão, filho, pai, amante, etc.)? Como
isso não foi caracterizado caberá ao médico essa(e) análise/risco: mensurar a
confiabilidade das informações que são colocadas em forma de diretivas
antecipadas de vontade, quando trazidas pelo tal representante. Teria sido o
CFM inocente e desconsiderado as maldades humanas (tão frequentes quando se
trata de discussão entre herdeiros, por exemplo)? Creio que não, longe disso. Não tenho dúvidas que a prioridade de toda essa resolução foi assegurar dignidade ao paciente em estado terminal. Mas não nos custa refletir sobre outras abordagens que esse tema pode levantar (e certamente levantará).
§ 2º O médico
deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do
paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os
preceitos ditados pelo Código de Ética Médica.
Comentário: Na minha opinião, o melhor parágrafo
do texto! Como o próprio Código de Ética Médica coloca no Capítulo II, itens II
e IX, são direitos do médico: (a) indicar o procedimento adequado ao paciente,
observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação
vigente; (b) recusar a realização de atos médicos que, embora permitidos por
lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência.
Ou seja, na insegurança e/ou
incerteza do médico quanto à confiabilidade do conteúdo das diretivas
(independente de quem as tenha feito/redigido), ou quanto ilegalidade do texto,
poderá o médico recusar-se do seu cumprimento.
§ 3º As diretivas
antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico,
inclusive sobre os desejos dos familiares.
Comentário: Ratifico o comentário que fiz sobre
o Art. 1o, e acrescento: como esse parágrafo tem uma tônica aparentemente mais forte e contundente (e porque não dizer: provocador e instigante), julgo que seria bem interessante que esse texto enaltecesse no seu final: “...,
respeitada a autonomia médica definida no § 2º.”
§ 4º O médico
registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram
diretamente comunicadas pelo paciente.
Comentário: Se o conteúdo das diretivas pode
influenciar o procedimento médico a ser adotado, nada mais lógico do que
descrever (ou até anexar) o conteúdo das diretivas no prontuário. Sabedoria do
texto do § 4º.
§ 5º Não sendo
conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo
representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre
estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista,
ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho
Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos
éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente.
Comentário: O texto do § 5º, na minha opinião,
está ótimo.
Art. 3º Esta
resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília-DF, 9 de agosto de 2012 ROBERTO LUIZ D'AVILA
Presidente do Conselho
HENRIQUE BATISTA E SILVA
Secretário-geral
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