Prezados colegas médicos (esse texto tem mais sentido pra vocês).
Há alguns dias vi no site do CFM a
seguinte notícia: “Título de Especialista passa a ser
pré-requisito para ocupar cargo de diretor técnico de serviços especializados”. O texto faz referência à Resolução do CFM n. 2007/2013. Conforme a mesma
matéria, “a principal justificativa para a exigência desse pré-requisito se
baseia no fato de que a supervisão técnica de uma equipe profissional está
exposta, eventualmente, a decisões complexas, dependentes de maior conhecimento
e reflexão.”
No entanto, a Lei 3268/1957 afirma em
seu art. 17 que “os médicos só poderão exercer
legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o
prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério
da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob
cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.” Trata-se da chamada “permissão legal” que os médicos possuem para o
exercício da medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades. Na mesma
esteira, assim já se posicionou o próprio CFM em diversas oportunidades:
Parecer CFM n. 08/1996: “Nenhum especialista possui exclusividade na realização de qualquer ato
médico. O título de especialista é apenas um presuntivo de ‘plus’ de
conhecimento em uma determinada área da ciência médica”.
Parecer CFM n. 17/2004: “Os Conselhos Regionais de Medicina não exigem que um médico seja
especialista para trabalhar em qualquer ramo da Medicina, podendo exercê-la em
sua plenitude nas mais diversas áreas, desde que se responsabilize por seus
atos (...).”
Parecer CFM n. 21/2010: “O médico devidamente inscrito no Conselho Regional de Medicina está
apto ao exercício legal da medicina, em qualquer de seus ramos; no entanto, só
é lícito o anúncio de especialidade médica àquele que registrou seu titulo de
especialista no Conselho.”
Se a Lei 3268/1957 e o próprio CFM
entendem que qualquer médico devidamente registrado em seu CRM está apto para o
exercício da medicina em qualquer de seus ramos ou especialidades, por que
proibi-lo do exercício da direção técnica (considerado aqui um ato médico)
quando ele não possui o título de especialista? Qual o fundamento legal (e não
resolutivo) disso? Não existe. Pelo contrário. A Resolução do CFM n. 2007/2013
é uma afronta ao ordenamento jurídico brasileiro.
Alguém dirá: “mas ser diretor técnico é
mesmo um ato médico?” Bem, se não for, essa a Resolução CFM n. 2007/2013 é
completamente sem sentido, afinal, qualquer profissional (independente de ser
médico) poderia ser diretor técnico. Qual a lógica do CFM exigir um título de
especialista para um profissional não médico? Nenhuma.
Há os que dirão: “mas a intenção do CFM
foi boa”. Queridos colegas, não basta ser bem
intencionado, é preciso seguir o que determina a lei. Se bastasse a intenção, o
CFM poderia, por exemplo, fazer uma nova resolução que diminuísse a taxa de
imposto de renda do médico; ou que determinasse imediatamente um maior
orçamento para o SUS; etc. Como médicos, havemos de concordar que a intenção
nesses casos também seria ótima (e as medidas muito bem-vindas). Por que o CFM
não faz isso? Pelo simples fato de que isso extrapolaria suas prerrogativas. A
competência de alterar uma lei é do poder legislativo, e não dos conselhos
profissionais. E sobre o tema que tratamos, o que diz o art. 17 da Lei 3268/57?
Diz que qualquer médico (ainda que não tenha título de especialista) poder ser
um diretor técnico de um serviço médico (uma vez que essa função é considerada,
pelo próprio CFM, como sendo um ato médico). Entendam: uma resolução quando
afronta uma lei, é ilegal. A Resolução CFM 2007/2013 é ilegal. I-le-gal! É uma norma
inferior (resolução) querendo contrariar uma norma superior (lei). E quem entende assim também, é o Supremo
Tribunal Federal, vejam:
“Normas inferiores não podem inovar ou contrariar normas superiores, mas
unicamente complementá-las e explicá-las, sob pena de exceder suas competências
materiais, incorrendo em ilegalidade.” (STF - Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.398-AgR, Rel. Min. Cezar
Peluso, julgado em 25.06.2007)
Pra piorar, independente da interpretação
jurídica, a coisa é tão desproporcional e sem equivalência lógica, que pelo
texto da Resolução 2007/2013 qualquer médico pode ser diretor técnico de um
Hospital de Clínicas, com milhares de leitos. Sim, pois é um serviço de “multiespecialidade”.
Para ser diretor técnico de um hospital gigante de múltiplas especialidades, o
médico pode ser um recém-formado, sem ter feito nenhuma especialidade. Mas para
ser diretor técnico de uma pequena clínica de pediatria, que só tem um
ambulatório, uma única porta de entrada, e uma recepcionista, aí já não dá! Como
é uma clínica de uma especialidade apenas, é necessário ter título de
especialista registrado no conselho. Se a resolução fosse aplicada com o mesmo
rigor em todas as cidades brasileiras, eu ficaria com pena das pequenas cidades.
Muitas clínicas fechariam!
O futuro dirá se estou certo, mas, na minha
opinião, daqui a alguns dias vários médicos acionarão juridicamente o CFM por
sentirem seus direitos cerceados pela Resolução 2007/2013. E por estarem
legalmente embasados, muitos conseguirão êxito em seus pleitos. Assim, serão
dignos de indenizações por dano moral. E sabe quem custeia isso? Exatamente!
Nós, os próprios médicos. Sim! Pagaremos pelos erros dos redatores dessa
resolução tão sem sustentação legal (e inoportunamente protecionista). Quando
chegar esses dias – e só nesse momento – o CFM mudará (ou revogará) os termos
da Resolução CFM 2007/2013.
“Marcos,
de onde você está tirando essas conclusões?” Eu respondo: infelizmente, é da
própria história. Foi exatamente isso que aconteceu com a Resolução n.
1810/2006. Nela, o CFM proibia os Médicos do Trabalho de atuarem como
assistentes técnicos das próprias empresas. Mesmo que a intenção fosse ótima, essa
normativa era ilegal por apunhalar o artigo 422 do Código de Processo
Civil. Consequência: vários processos contra o CFM (exemplos de empresas que
processaram: FUNASA, COPEL, TRANSPETRO, CODESA, etc.), todos com êxito.
Resultado final: o CFM, ou melhor, nós (médicos) certamente pagamos muitas
indenizações por danos morais aos nossos próprios colegas. Mas na luta entre lei e resolução quem se fere mais (quando sobrevive) é normativa mais fraca: a resolução. Nesse caso, “de tanto apanhar”,
o CFM se viu obrigado a revogar a própria Resolução 1810/2006. E o fez, 7 longos anos
depois, através da Resolução 2015/2013.
Que dessa vez não demore tanto! Que o
valor que pago pelas minhas anuidades seja melhor utilizado em prol de todos os
médicos (e não para indenizar um ou outro por alguns erros pueris do meu próprio
conselho).
Para que as resoluções do CFM não sejam
alvo de chacotas de advogados, descrédito da sociedade, e sentenças de nulidade
pelo Judiciário (o que nada agrega para a classe médica, pelo contrário),
reflitamos sem paixão.
À vontade para os embasados e
bem-vindos contraditórios.
Um forte abraço a todos.
Marcos Henrique Mendanha
NOTÍCIA RELACIONADA:
CREMESP PRORROGA PRAZO PARA
REGISTRO DE ESPECIALIDADE DE DIRETOR TÉCNICO.
A diretoria do Cremesp
decidiu rever a obrigatoriedade do registro imediato da especialidade para
médicos em cargos de diretor técnico, supervisor, coordenador, chefe ou
responsável médico dos serviços assistenciais especializados. Essa medida
estava gerando grande dificuldade nos procedimentos administrativos
relacionados às empresas, como registro de empresa, alteração contratual e
renovação cadastral.
O prazo para o registro da
especialidade fica prorrogado, necessariamente, até a próxima renovação
cadastral de empresa.
O Cremesp conta com a
colaboração de todos os médicos para que apresentem seus documentos para
registro da especialidade durante esse período, visando o cumprimento da
Resolução CFM nº 2.007/2013, em seu artigo 1º, que dispõe sobre a exigência
desse registro para ocupar os cargos de diretor técnico, supervisor,
coordenador, chefe ou responsável médico dos serviços assistenciais
especializados.
Fonte: CREMESP (junho/2014).